19 de agosto de 2019

TIPO ASSIM (VII) - SEU ELIAS


Seu Elias era o ascensorista do prédio onde eu trabalhava. Magro, alto, cabelo preto liso e farto, bigodinho aparado, tinha o queixo afundado a fórceps, como o de Noel Rosa. Sua fisionomia era uma mistura de Jacó do Bandolim com o compositor da Vila. Mas era um homem simples, trabalhador humilde, num ambiente de vossas excelências e excelsos sodalícios.
E desenvolvia seu trabalho de subir e descer andares, nos velhos elevadores de porta pantográfica, com bom humor, simpatia e uma verbosidade acima da média. Enquanto com uns dizia “bom dia, excelência!”, “pois não, excelência!”, com os funcionários comuns como eu, sempre tinha uma brincadeira, uma conversa descontraída. Comigo, por exemplo, vivia a questionar meu suspeito preparo físico, minha minguada habilidade corporal para alguns exercícios, a fim de me instigar, já que eu lhe havia confessado minha preguiça proverbial.
Às vezes, chegava à porta da sala onde eu estava, jogava seu molho de chaves ao chão e o pegava flexionando o tronco, mas mantendo os joelhos fixos, com uma facilidade afrontosa. E perguntava, debochado, se eu faria semelhantemente. E ria triunfal!
Certo dia, porém, mostrei a ele que não haveria dificuldades. Joguei minhas chaves ao chão, flexionei os joelhos, mantendo o tronco ereto, e as peguei, sem dificuldades à época. E lhe disse, zombeteiro:
- Como mocinha de saia plissada curta, seu Elias. Bem-comportada!
E todos rimos.
Algum tempo depois, chegou-nos a notícia de que seu Elias tinha sido atropelado por um ônibus urbano, enquanto andava de bicicleta pelas ruas do seu bairro, atividade que fazia com frequência.
Meses depois, volta seu Elias ao trabalho, após bom período de recuperação de seu acidente, ainda um tanto estropiado do contravapor que levara do veículo descontrolado.
Aí foi a minha vez de me vingar:
- Viu, seu Elias, o que dá ser atleta? Acabou atropelado andando de magrela. Isso não acontece comigo. Talvez eu pudesse até estar dentro do ônibus que o atropelou. Nunca de bicicleta.  
Ele riu meio sem-graça e percebeu que, desta vez, tinha perdido para o preguiçoso.
E continuamos a boa convivência, cada um em sua função, até que troquei de setor, de local e de prédio.
E lá ficou seu Elias, subindo e descendo o velho elevador de porta pantográfica, brincando com uns e cumprimentado outros com a deferência que o cargo exigisse.


Resultado de imagem para elevador de porta pantográfica
Imagem em flickr.com/photos/violinha/300456704

2 comentários:

  1. Pois é!... Mas Seu Elias irá morrer cheio de saúde...

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    1. Realmente, Moreirinhas! Mas será uma ingratidão da natureza com ele. Hahaha!

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