28 de novembro de 2015

NUNCA HOUVE UM FÍGADO DE GALINHA COMO O DO BAR PRACINHA!

(Para Jane, Maria Lúcia e Jorge Neiva.)


Às vezes sou assaltado por certas lembranças gustativas – talvez uma das mais constantes em minha vida de glutão -, assim do nada. Sem mais nem menos, elas aparecem. Até já postei textos aqui sobre isso. Estou fazendo alguma coisa e pum! lá vem a memória de alguma coisa gostosa que experimentei durante minha vida.
É claro que isto deve ser comum a todos os seres humanos, desumanos e extraterrenos. Comer é um dos grandes prazeres que se tem na vida, e necessariamente deixa alguma coisa gravada em nós.
Estava há pouco num botequim aqui próximos de casa, onde fui bebemorar o campeonato do Glorioso (Maitê, ainda estou esperando!), com a alternância entre um chope escuro/um chope claro (Só faltou a Estrela Solitária.), acolitados por moelas, e me veio à memória o fígado galinha que comia no Bar Pracinha de Miracema.
O Bar Pracinha era um grande salão na Rua Direita, cujo vão era sustentado por colunas de ferro, um balcão de atendimento à direita de quem entrava por uma de suas três ou quatro portas (Ele não existe mais.) e várias mesas e cadeiras em toda a extensão à esquerda.
A primeira vez que lá fui, há bons anos, foi a convite do meu sogro, o saudoso seu Beethoven, que me disse da qualidade daquele fígado.
Aqui é preciso fazer uma digressão de caráter gourmand. Fígado de galinha é uma iguaria não muito apreciada pelo cidadão cosmopolita e urbano de cidade grande. O pessoal do interior como eu é muito chegado a certas guloseimas para as quais o homem da cidade torce o nariz, como se fosse coisa de segunda ou terceira categoria. Fígado, moela, rim, língua – e por aí vai – estão nesta categoria.
Pois muito bem! Convidado por ele, não me furtei a experimentar o tal fígado.
Quando lá chegamos, o bar já estava todo tomado por clientes. Era um sábado à tardinha. Sobrou-nos, então, a posição mais apropriada aos bares: encostar o umbigo ao balcão e degustar o que possa sair lá de dentro da cozinha. Pedimos uma cerveja (Na época, não havia esta sofisticação que hoje há, e meu sogro também foi habituado a só beber uma marca de cerveja.) e uma porção de fígado.
Posso garantir aos amigos leitores que me honram com sua atenção que os galináceos não morreram em vão para o bar e seu cozinheiro. Não faço a mínima ideia de como se preparou aquele fígado. Na verdade, ele não vinha com nenhuma atração visual maior, que não sua integridade esplendorosa, um tanto vítrea ao olhar, a maciez de que é dotado e um paladar inigualável. Só acrescentei algumas gotas de pimenta, como é de meu feitio.
Tirante o fígado de galinha que minha mãe pescava na panela onde fazia o restante da penosa (Até digo isto para não parecer um filho ingrato.), nenhum outro se comparou em toda a minha vida àquele fígado feito pelo cozinheiro do Bar Pracinha.
Alguns anos depois, despareceu o bar, dando lugar a outro empreendimento comercial sem o charme e o apelo do botequim, e nunca jamais, em tempo algum, pude provar outro semelhante.
Por isso é que, ao escolher um tira-gosto hoje no botequim aqui ao lado, para acompanhar a homenagem etílica ao meu Glorioso, resolvi ficar na moela de galinha acebolada.
Não queria magoar a memória daquele fígado, nem do prazer que tinha em ir ao bar com meu saudoso sogro, Beethoven Neiva, flamenguista dos mais enjoados que conheci. Aliás não conheço flamenguista que não seja enjoado!
Salve o Botafogo! Viva Maitê Proença! Saudades do seu Beethoven!

Imagem em youtube.com.

Um comentário:

  1. Grande petisco deve ser! E desconfio que o fígado pedia cerveja e a cerveja pedia mais fígado...

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