14 de agosto de 2014

INVERNO


Estou aqui me lembrando, sob este frio de 13°C em Niterói, de certo inverno infantil lá na minha vilazinha de Carabuçu, quando ouvi meu pai dizendo que o termômetro marcava apenas oito graus. Não me dei conta de que isto era muito frio. Criança não leva essas coisas em consideração. Isto é preocupação de adulto.

Papai, por exemplo, era um dos poucos a se importar com o tempo, dentre os amigos, e possuía este aparelhozinho que consultava sempre. Na verdade, nunca soube que em sua casa faltasse um. Ainda hoje – ele já falecido – está um termômetro pendurado no portal da porta da cozinha, a indicar a temperatura ambiente. Além disso, ele assuntava os céus para responder se choveria ou não naquele dia, sempre que alguém tinha de sair. E me lembro do tipo de resposta que gostava de dar, caso vislumbrasse água caindo das nuvens:

- Se não quiser se molhar, é melhor levar o guarda-chuva.

E era sempre confiável sua previsão de tempo, que mamãe, debochadamente, chamava de “mete o olho na orgia do Argemiro”.

Por aquele tempo, contudo, era comum termos frio bravo no inverno em Carabuçu. Até mesmo depois de já casado, pai de filhos, e de volta para uma festa da vila, durante um fim de semana de julho, experimentei tal frio, que os músculos das pernas tremiam desordenadamente, motivo por que fui me esconder em casa, naquela noite. Meu primo, com quem conversava, ainda insistiu para que ficasse mais um pouco. Mas, sem um bom conhaque, aquilo era tarefa para escandinavos.


A tal friaca que nos era comum deixou em minha memória uma cena que diria quase épica: os cavaleiros e suas compridas capas gaúchas, que sempre sonhei usar, mas que nunca encontrei por aí. E também já não há o frio para que se as usem.

Por várias vezes, eu os via cruzar a vila conduzindo bois, ou até mesmo depois dessa lida, voltando para seu pouso, imponentes sobre os cavalos, com seus chapéus de feltro de aba larga, copa baixa, o barbicacho sob o queixo, e a capa estendida do pescoço até abaixo do estribo, estendida sobre a anca do animal, de modo solene, quase clerical. Às vezes, sob uma chuva miúda e persistente, eles passavam – cavalos em marcha batida a criar uma melodia entre as ferraduras e as pedras da rua – como se fossem heróis de uma epopeia cabocla, simplória, mas cheia de significados grandiosos para minha mente de menino.

Em certas ocasiões, tais cenas se davam num cenário acinzentado, sob um céu pesado a encrespar o alto dos morros que circundam a vila. Alguns desses homens vinham com uma brasa de cigarro queimando sob a aba do chapéu, a fumaça se confundindo com a cor cinérea do dia.

Diante disso, eu sabia que fazia frio. E não me lembro de nada mais relacionado ao inverno dos meus tempos de criança. A vila sempre foi, para mim, um misto de sol quente e chuvas torrenciais no verão. Nunca vi suas flores primaveris, nem suas folhas caindo no outono, ou as pessoas batendo o queixo entre junho e agosto. É que, no período mais frio do inverno, as fogueiras de São João esquentavam nossos corações despreocupados.


Imagem em amazonascountryclube.blogspot.com,br.

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