Estou aqui me lembrando, sob este frio de 13°C em
Niterói, de certo inverno infantil lá na minha vilazinha de Carabuçu, quando
ouvi meu pai dizendo que o termômetro marcava apenas oito graus. Não me dei
conta de que isto era muito frio. Criança não leva essas coisas em consideração.
Isto é preocupação de adulto.
Papai, por exemplo, era um dos poucos a se importar com
o tempo, dentre os amigos, e possuía este aparelhozinho que consultava sempre. Na
verdade, nunca soube que em sua casa faltasse um. Ainda hoje – ele já falecido –
está um termômetro pendurado no portal da porta da cozinha, a indicar a
temperatura ambiente. Além disso, ele assuntava os céus para responder se
choveria ou não naquele dia, sempre que alguém tinha de sair. E me lembro do
tipo de resposta que gostava de dar, caso vislumbrasse água caindo das nuvens:
- Se não quiser se molhar, é melhor levar o
guarda-chuva.
E era sempre confiável sua previsão de tempo, que
mamãe, debochadamente, chamava de “mete o olho na orgia do Argemiro”.
Por aquele tempo, contudo, era comum termos frio bravo
no inverno em Carabuçu. Até mesmo depois de já casado, pai de filhos, e de
volta para uma festa da vila, durante um fim de semana de julho, experimentei
tal frio, que os músculos das pernas tremiam desordenadamente, motivo por que
fui me esconder em casa, naquela noite. Meu primo, com quem conversava, ainda
insistiu para que ficasse mais um pouco. Mas, sem um bom conhaque, aquilo era
tarefa para escandinavos.
A tal friaca que nos era comum deixou em minha memória
uma cena que diria quase épica: os cavaleiros e suas compridas capas gaúchas,
que sempre sonhei usar, mas que nunca encontrei por aí. E também já não há o
frio para que se as usem.
Por várias vezes, eu os via cruzar a vila conduzindo
bois, ou até mesmo depois dessa lida, voltando para seu pouso, imponentes sobre
os cavalos, com seus chapéus de feltro de aba larga, copa baixa, o barbicacho
sob o queixo, e a capa estendida do pescoço até abaixo do estribo, estendida
sobre a anca do animal, de modo solene, quase clerical. Às vezes, sob uma chuva
miúda e persistente, eles passavam – cavalos em marcha batida a criar uma
melodia entre as ferraduras e as pedras da rua – como se fossem heróis de uma
epopeia cabocla, simplória, mas cheia de significados grandiosos para minha
mente de menino.
Em certas ocasiões, tais cenas se davam num cenário
acinzentado, sob um céu pesado a encrespar o alto dos morros que circundam a
vila. Alguns desses homens vinham com uma brasa de cigarro queimando sob a aba
do chapéu, a fumaça se confundindo com a cor cinérea do dia.
Diante disso, eu sabia que fazia frio. E não me lembro
de nada mais relacionado ao inverno dos meus tempos de criança. A vila sempre
foi, para mim, um misto de sol quente e chuvas torrenciais no verão. Nunca vi
suas flores primaveris, nem suas folhas caindo no outono, ou as pessoas batendo
o queixo entre junho e agosto. É que, no período mais frio do inverno, as
fogueiras de São João esquentavam nossos corações despreocupados.
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Imagem em amazonascountryclube.blogspot.com,br. |
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