17 de outubro de 2012

A IMPORTÂNCIA DO NÃO FAZER

Uma das piores coisas para o equilíbrio do psiquismo humano é você procurar não fazer nada e achar um borbotão de coisas dispostas a serem feitas e, sobretudo, com certa urgência, olhando para sua cara! Caso você seja baiano, aí chega às raias da Cláudia.
Conheço algumas pessoas que padecem de um mal cuja emissão do nome até causa arrepios: hiperatividade. Este é o pior desconforto que se possa experimentar, num mundo repleto de coisas a não fazer.
Um amigo meu, hiperativo desde o ventre materno - passou lá nove meses numa atividade frenética de contorcionista -, só experimenta algum sossego ao dormir. E, assim mesmo, a poder de soníferos de boa cepa. Professor e não satisfeito com duas matrículas na rede pública, mais uma carga horária em instituição privada, com diversos planos de aula a elaborar e outros tantos trabalhos a corrigir, quando lhe "sobra um tempinho", pinta sua bela casa localizada numa chácara em Maria Paula, de duas a três vezes por ano, sem nunca se ter descuidado também da horta, do pomar e do jardim, da família e dos cachorros.
Nos exíguos intervalos entre uma e outra atividade, tem picos de pressão e enfartes do miocárdio de abalar ventrículos e válvulas, por conta dos quais já derrubou algumas cercas e beijou dois ou três barrancos com seu carro, a caminho de casa.
Assim, para ele, não fazer nada é coisa impensável. Contudo paga um preço enorme com a saúde por isso.
Mas tenho de chamar a atenção dos amigos leitores para a importância do não fazer. Temos de fazer sobrar tempo em nossa vida para o não fazer. Até mesmo para tirar a pressão da caldeira cardíaca, sempre pronta a explodir.
Em primeiro lugar, pare com essa mania de se achar imprescindível para que o mundo continue a funcionar. Tudo continuará tal como aí está, com ou sem a sua contribuição. E já vem assim há milhares de anos. Ninguém é insubstituível. Até mesmo Pelé, ao se contundir seriamente na Copa de 62, no Chile, foi substituído com sobras por Amarildo, o Possesso, que nos deu o bicampeonato. Então, pode baixar sua bola, que tudo há de ficar nos eixos, malgrado sua falta.
Em segundo lugar, é bom saber, para que você sossegue um pouco mais o rabo, que há milhões de pessoas que fazem exatamente tudo o que você faz e, pior, milhares delas com muito mais competência. Assim você se poderá colocar entre aqueles que muito ajudam por não atrapalhar. Sinta, então, que sua importância no seio da sociedade é muito singela. Se considerarmos o planeta, aí é bom nem pensar. Portanto, relaxe, deixe de lado essa sufrega e vá não fazer nada. Fique de bobeira, pelo menos, por meia hora por dia. Você pode até não sentir nada. Mas muitos outros ficarão agradecidos por não ter de consertar um monte de cagadas que você certamente faria.
Assim, como se vê, o não fazer também se revela produtivo, quando ele próprio não redunda em mais trabalho para os outros, que necessitam não fazer coisas.
Já imaginou se, há algumas décadas, pudéssemos ter posto este princípio salutar na cabeça de uma cara como Hitler? A humanidade teria sido poupada da loucura daquele cara que achava que tinha muita coisa a fazer.
Por outro lado, quem faz muito erra muito mais e, portanto, pode acarretar um sem número de consequências desastrosas para o seu semelhante, bem mais que uma pessoa que procura fazer muito menos. Entendeu?
Veja, então, que sempre há um lado positivo em não fazer.
Por isso é que eu conclamo você, sobretudo se for um hiperativo, a pensar muito bem antes de começar a fazer algo. Sopese lucros e perdas que sua ação trará, tanto para si mesmo, quanto para os que lhe estão à volta. Você que está procurando salvar a humanidade, por exemplo, pode ser a causa fatal da sua extinção da face do planeta.
Pense bem!
Acho melhor estender a rede entre dois coqueiros e ficar de papo para o ar! Seu psiquismo estará salvo, bem como os seus semelhantes!


Imagem em iplay.com.br.


3 comentários:

  1. Uma correção, a Copa do Chile, em que Amarildo substituiu Pelé foi a de 1962. O resto, perfeito.

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  2. Ler este texto foi melhor do que dez visitas ao psiquiatra! Andava com enormes problemas de consciência por não fazer porra nenhuma! Agora vejo que assim sou mais útil à sociedade... Obrigado Saint-Clair, hoje já não vou tomar Xanax para dormir!...

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