Lá vai meu pai, caminhando sem pressa.
Todas as raras vezes em que
o via caminhando pelas ruas, lá pelos idos da juventude, eu sentia uma estranha
e gostosa sensação que até hoje me dá prazer.
Aquele era meu pai!
Não era nenhum super-herói a
salvar o planeta; nenhum semideus a realizar um dos doze trabalhos ou a empurrar
morro acima sua eterna pedra rolante, que voltava teimosa ao ponto de partida.
Era simplesmente o meu pai, com seu passo cadenciado e firme, sua postura
ereta, sua elegância simplória de homem comum do interior. Mas como eu o
admirava, ao vê-lo caminhar anonimamente pelas ruas, sem a aura doméstica da
função de meu pai, pai dos meus irmãos, companheiro cordial da minha mãe e de sustentáculo
da família! Ele era tão comum para os demais transeuntes, a ponto de não lhes
chamar a atenção. Quase invisível mesmo. Mas era o meu pai. E para mim a sua figura
se sobressaía a todos os demais. Até mesmo ao ambiente por onde caminhava. Eu
não conseguia ver mais ninguém. Só ele. E não chamava sua atenção para mim. Eu
não tinha interesse de que ele me visse. O importante era a sensação que aquela
visão me proporcionava. A visão do pai pelo filho. Do ídolo, pelo admirador.
E esse é um segredo que
trago até este justo instante em que você, leitor, o compartilha comigo. Talvez
seja até uma bobagem de juventude – pode julgar você –, mas foi parte
importante na lapidação do meu sentimento por ele. Por aquela altura, as demonstrações
de carinho eram incomuns, como se fossem um tipo de fraqueza. Era preciso fingir-se
forte, decidido. Por isso a visão a certa distância me propiciava esse gosto,
sem que eu parecesse piegas.
Hoje, caminhando pela quase
vazia calçada da praia fronteira aos edifícios, imaginei a possibilidade de um
dos meus filhos ter essa mesma sensação juvenil que me ocorria. É uma ilusão
perdida: ambos estão adultos e com seus próprios filhos! Mas fiquei a matutar
se eu seria digno desta mesma admiração e reverência. Não porque eu tenha
realizado qualquer coisa em prol deles, mas pelo simples e singelo fato de ser
a pessoa que, por um acidente existencial, se tornou seu pai.
Mas não provarei o desprazer
da inveja, caso isso não se dê. O prazer que me ocorre agora, ao relembrar tal emoção,
é que me faz feliz e me dá consolo pela sua falta.
Lá vai meu pai caminhando,
sem pressa, pela minha memória. Como meu herói.
Imagem em pixabay.com.
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