Estou à varanda
Exposto aos raios do sol de
maio
E enquanto leio Sophia de
Mello Breyner Andresen
Sobe um cheiro de torra de
café
De imediato
Como um Proust caipira
Sou levado à minha pequena
vila
À minha casa simples
À minha infância
Hoje é dia de torrar café
Minha mãe se prepara
Cobre os cabelos com
inusitado pano branco
Para que não recendam a café
por dias seguidos
Pendura no gancho sobre o
fogão a lenha
O improvisado torrador
Feito de meia lata de
gordura de porco
A que meu pai acrescentara
cabo de uma vassoura
E cujo fundo perfurara
geometricamente com prego
Eu miúdo
Cujos pés não tocam o chão
da cozinha
Fico sentado ao lado
Não muito próximo ao fogão
E acompanho a faina da minha
mãe
Balançando em vaivém
Aquela geringonça engraçada
feita por meu pai
Enquanto
ouço histórias de nossa família da Bíblia de bichos que falavam
Quando eu ainda não havia
nascido
E vai assim minha mãe
Um pouco depois do almoço
Por um tempo enorme
Até o finzinho da tarde
Perfumando a casa com o
cheiro inebriante do café torrado
Esse mesmo cheiro
Que agora sobe até a varanda
Onde aguardo o tempo de
voltar à vida
Momentaneamente enclausurada
de medo
Nenhum comentário:
Postar um comentário