Chovia
forte, quando os boiadeiros entraram na vila em seus cavalos, após deixar o
gado na fazenda do João Monteiro, um pouco antes do Morro do Marta. Vinham pela
rua principal, depois de passar pela pracinha em frente à capela de Santo
Antônio e se dirigiam à cocheira do Jair Passarelo.
Embora
com os semblantes cansados, os cavalos já um tanto alquebrados pela lida, ainda
assim, tinham um ar solene. Todos trajavam capa gaúcha e portavam chapéu de
feltro de aba larga, barbicacho ajustado na altura do queixo. Eram seis,
destacando-se à frente o líder do grupo, cujo cavalo parecia maior que os
demais. A chuva forte compunha o quadro que o menino admirava. O líder à
frente, e os demais distribuídos pelos lados, um pouco atrás. A água escorria
de seus chapéus e de suas capas. As ferraduras produziam um som que se
misturava ao tamborilar das gotas grossas a cair sobre o calçamento de
paralelepípedo. A não ser por isso e mais um ou outro bufo dos animais, não
havia outro som no ar. Eles não se falavam. Vinham em silêncio. Era como se uma
procissão equestre, muda, acompanhasse algum falecido ilustre, a merecer quietude
respeitosa, naquele fim de tarde escurecida pelo aguaceiro de verão que se
precipitava do céu.
O
menino estava extasiado diante da cena. Em sua fértil imaginação infantil,
aqueles homens pareciam mensageiros de notícias graves. Talvez fossem os Cavaleiros do Apocalipse, de que tanto ouvia falar nas pregações do pároco nas
missas mensais na capelinha. Ainda que um frio lhe corresse pela pele, não
podia deixar de admirar a solenidade da cena. Alguns anos depois é que a viu
reproduzida, de forma bem parecida, em um filme norte-americano sobre o velho
oeste.
Aos
poucos, a tropa em marcha passou lentamente diante da porta da venda em que ele
se encontrava. Seus olhos acompanharam o movimento dos animais levando seus
condutores até o pouso final. Um a um, deixaram a rua e entraram na cocheira.
As
nuvens do temporal anteciparam a obscuridade da noite – lâmpadas ainda não acesas
– e produziram o efeito cinematográfico de fade
out em cada cavaleiro a entrar naquele espaço.
E o
menino sonhou um dia ter uma capa gaúcha como aquelas, para assumir a
solenidade da postura observada em cada um dos cavaleiros que desfilaram à sua
frente.
Hoje
o menino é um homem idoso. Vivenciou dezenas de anos de sucessivos fotogramas
guardados em seu cérebro. Percorreu caminhos diversos, cheios de peripécias e
sobressaltos. Andou por montanhas e planícies. Viu povos e costumes exóticos. Encantou-se
com cada coisa que descobriu ao longo da caminhada. Mas aquela imagem ficou
definitivamente gravada em sua memória, de onde, vez e outra, assoma à
realidade do seu quotidiano e o leva de imediato àquele mesmo espaço da
infância, àquela mesma cena mágica, cheia de mistérios e magia, diante da porta
da venda de seu pai.
Aquele
menino sou eu.
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Imagem em selariagauchauberaba.com.br. |
Por diversas vezes o mesmo aconteceu comigo, seguia os boiadeiros, não só com os olhos, até a cocheira, mercado de compra e venda ou matadouro e voltava para receber a reprimenda materna.
ResponderExcluirMas não deixava de ir. Hahaha!
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