(Publicado originalmente em Gritos&Bochichos, em 4/2/2013.)
Uma
das minhas frustrações na vida é não ser guitarrista. Mas não um guitarrista
qualquer. Queria ser um senhor guitarrista, como David Gilmour, para mim o
maior de todos (Não me venham com razões técnicas, porque isto é coisa de
sentimento, inexplicável.)
Quando
jovem, tentei aprender a tocar violão. Eu e meu irmão Gutenberg compramos um, à
prestação, na loja que era sua xará, Gráfica Gutenberg, em Bom Jesus, nos
áureos anos 60.
Quando
cheguei a Niterói, em 67, dedilhava alguma coisa despretensiosa e alguns dos antigos
companheiros de pensão imaginam até hoje, como já me disseram, que eu soubesse
tocar.
Meu
irmão hoje, além de compor, toca bem. O pouco que eu sabia acabou. A única
música de que ainda me lembro é The house of the rising sun, canção
folclórica norte-americana também gravada pelos ingleses The Animals, de Eric
Burdon, coqueluche à época: There is a house in New Orleans / They call the
rising sun...
E
música, como qualquer outra arte, funciona mais ou menos assim: ou você é
chamado por ela, e desenvolve um caso sério, ou é meramente um espectador.
Pois, quanto à música, sou um mero espectador, ou melhor, ouvinte. Talvez até
um pouco mais atento. Mas parei por aí. Se não podia ser um David Gilmour,
melhor seria não tentar. Preferi permanecer na plateia, deixando que ele e
todos os grandes guitarristas façam isso por mim. Por nós!
E,
como sempre ocorre, às vezes uns fazem e outros executam. Uns compõem, outros
interpretam. Felizes os que compõem e interpretam ao mesmo tempo. Na Itália,
pela década de sessenta, com o surgimento de diversos compositores que também
cantavam suas músicas, criou-se a palavra cantautore, para distingui-los
dos que eram apenas intérpretes.
Porém,
este papo quase furado com que preambulo este texto é apenas para dizer para
vocês que a célebre e magistral canção dos Beatles While my guitar gently
weeps, de autoria do meu beatle preferido, George Harrison (Também não me
perguntem por quê!), com diversas gravações espetaculares, recebeu de Peter
Frampton talvez aquela mais bela, mais sensível a que seu título alude. Sua
guitarra chora suavemente na gravação feita para seu álbum Now, de 2003.
Tanto o riff inicial, quanto o solo no meio da canção são das coisas mais belas
que a guitarra pôde fazer. Parece que, ali, Frampton entrou em estado de graça.
Fez um pacto com o Cramulhão para executar como o fez.
E
reparem que, além dos Beatles e de Frampton, há outras interpretações
sensacionais, como de Eric Clapton e o próprio Harrison; de Tom Petty,
coadjuvado por Prince, Jeff Lynne, Dhani Harrison e Steve Winwood, dentre
outros, no tributo a Harrison no Royal Albert Hall; de Santana, com o vocal
fantástico de Indie Arie e o violoncelo clássico de Yo-Yo Ma; de Jeff Healey e
sua surpreendente guitarra tocada sobre o colo; da versão explosiva de Toto com
a guitarra incendiária de Steve Lukather; da versão impressionante de Jake
Shimabukuro no ukelelê, dentre outras que não repassei ou não conheço.
Para
mim, no entanto, se sobressai a interpretação dada por Peter Frampton, hoje um
senhor calvo, mas com a sensibilidade para fazer chorar sua guitarra de tal
forma, que me leva ainda a pensar, como nos anos 60/70, que um dia a música
possa nos salvar da estupidez da guerra e da violência.
É o
que sinto.
E
também não me perguntem por quê!
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Capa do cd Now, de Peter Frampton, de 2003. |
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Se quiser ouvir a gravação de Frampton, clique aqui.
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