Eram cerca de cinco e meia da manhã de
uma segunda-feira, quando cheguei à estação rodoviária de Itapuranga, a fim de
pegar o primeiro ônibus para Goiânia, distante cerca de duzentos e poucos
quilômetros a sul. Ainda estava escuro, mas já havia razoável movimento de
passageiros. Comprei a passagem e fui tomar café num bar defronte, já aberto
àquela hora. Depois voltei e me sentei num banco à espera de embarcar. À minha
frente, em outro banco, foi sentar-se uma família, formada por jovem casal de
pais e um casal de filhos, de cerca de oito a dez anos. Criancas moreninhas,
bonitas, do mesmo tamanho e bastante parecidas. Logo a seguir, sentou-se ao meu
lado, um goiano com seu sotaque típico do interior.Também moreno, magro,
cabelos escuros, vestido com modéstia, mas dignamente, aparentava seus trinta e
tantos anos. Depois de algum tempo em silêncio, virou-se para mim e falou
baixinho, referindo-se às crianças:
- Será que são geminhos?
À minha resposta negativa, emendou a
conversa:
- Mas parece, né? Acho que são gêmeos
mesmo. Ser gêmeo é um problena sério. Sempre acaba com alguma desgraça. Eu acho
que aqueles dois são gêmeos. Um é igualinho ao outro. Quando eu vejo gêmeos
fico preocupado, porque nunca dá certo. Lá perto da propriedade do meu pai, há
uns tempos, nasceram duas meninas gêmeas. Elas foram crescendo e, quando uma
foi casar, caiu da pinguela e morreu afogada no ribeirão. Nem chegou a casar,
coitada! Dizem que era porque era gêmea. Sempre vem uma desgraça com um deles.
Nunca dá certo esse negócio de ser gêmeo.
E ele alongou a conversa com outras histórias sobre outros tantos
gêmeos, sempre com uma desgraça com um deles, quando não com os dois.
Daí a pouco, a família resolve também ir
ao bar, naturalmente para comer alguma coisa, antes de pegar viagem. Os quatro
atravessam a rua, chegam à padaria, e o caboclo ao meu lado continua com suas
considerações acerca deste fenômeno agourento.
De repente, vira-se novamente para mim e
diz resoluto:
- Não aguento! Se não souber se eles são
gêmeos, não vou ficar sossegado!
E sai a passo apressado em direção à
padaria. Vejo que lá chega, rodeia os pais das crianças, que estão iniciando o
seu lanche matinal. Percebo que ele se dirige ao homem, diz alguma coisa, ouve
a resposta e volta célere para o banco em que estou.
- Não falei, não falei? São gêmeos! Eu
sabia! Vai acontecer uma desgraça na vida de um deles. Que dó!
Meu ônibus encostou na plataforma,
embarquei e, de dentro, fiquei observando aquele caboclo preocupado com o
destino trágico previamente anunciado para aquelas crianças gêmeas. Um dia, ele
cria piamente nisso, iria ocorrer uma desgraça com algum deles. Senão com os
dois.
Não sei se ele teve um bom dia, com tanta
preocupação. Daí umas três-quatro horas, eu estava chegando a Goiânia, onde
tomaria o avião de regresso ao Rio de Janeiro, com mais essa história no meu
repertório de crendices do povo do interior.
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Os gêmeos, por Os Gêmeos (em quasedelicadaa.blogspot.com). |
Um dia, indo de ônibus para Ouro Preto, de madrugada, ao meu lado um jovem me questionava atônito para onde ia a água do mar. Se todas as águas corriam para o mar, para onde ia a água da do mar que sobrava, já que o mar não transbordava.
ResponderExcluirViajando, ouvindo, observando... conhecendo e aprendendo... Sem generalizações, descobrindo que cada ser tem seu universo de histórias pessoais oriundas das experiências de vida que acumulou. Legal esse tipo de registro Saint-Clair... as pessoas simples, as pequenas coisas, os lugares esquecidos... Grande abraço.
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