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Lêmure da cauda anelada, quisquilhaneto de nosso possível ancestral, conforme as mais loucas teorias (pt.wikipedia.org). |
A quase ditadura do politicamente correto, que, muita vez, não
deixa margem à contradição está também presente na área da alimentação, com
inúmeras correntes que propugnam por hábitos alimentares os mais diversos.
Há os que se recusam a comer carne, por exemplo, com argumentos
sinceros sobre o sacrifício que se impõe aos animais, que acabam por chegar
esquartejados às nossas mesas.
Para também ser sincero, eu como carne desde o homo
sapiens, quiçá desde o australopithecus, se não
for antes, desde os lêmures que se penduravam nas árvores do continente
africano, na Gondwana, na Pangeia, sabe-se lá onde.
Entretanto há muitas pessoas por esse mundão afora que se
recusam a comer qualquer animal, mesmo que seja um mosquitinho esvoaçante que,
desavisado, entre em suas bocas, como fazem os jainistas. Estes, ao saírem às
ruas, cobrem a boca com uma máscara, a fim de que nem mesmo uma muriçoca
distraída lhes entre goela adentro e eles sejam constrangidos a comê-la.
Consideram eles, coerentemente com sua crença religiosa, homens e animais
semelhantes, portanto merecedores do reconhecimento da condição de iguais, de
irmãos. Já com as plantas em geral - frutas, legumes, cereais e vegetais -, não
têm tanta consideração e mandam ver: comem-nas cruas e cozidas, em saladas, em
refogados, salteadas, sós e acompanhadas. Coitadas, por que não merecem elas o
mesmo status?!
Na minha descrença generalizada, julgo mais grave que matar uma
galinha para comer, é dizimar um canteiro de singelas hortaliças, que nem com o
recurso da fuga foram brindadas pela natureza. Elas são as nossas vítimas mais
indefesas, porque imóveis.
Ora, senhores, se toda a natureza se faz na base da cadeia
alimentar, uns comendo os outros, e nós, seres desumanos, inseridos nesta mesma
cadeia e sendo quem somos, comemos todas as outras criaturinhas sem culpas,
constrangimentos ou preferências: rastejou, nadou, andou, voou ou simplesmente
se balançou ao vento e à brisa, nós podemos comer, segundo nossos hábitos e
costumes.
Ser vivo come ser vivo. E, de mais a mais, tudo tem vida. Até
mesmo o granito mais duro. Só que aí a vida se conta em bilhões de anos.
Então, não entendo muito bem as campanhas contra a picanha e a
costeleta, se não as há contra os brócolis e a alface, o maxixe e a beldroega.
Acaso estes últimos não experimentam algum tipo de sofrimento ao
serem cortados? Só dói, se sangra, berra ou esperneia? Os sem voz e sem ação –
todos os seres do reino vegetal – merecem muito mais nossa solidariedade, que
um boi que nos pode chifrar, ou uma galinha que nos pode bicar. Acidentam-se
muito mais humanos com seus semelhantes-bichos do que com seus
semelhantes-plantas. Muito raramente um pé de pau cai em cima de alguém. É bem
mais comum levarmos uma chifrada e uma mordida, que termos a cabeça rachada por
um galho de árvore despencado.
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Publicado originalmente em Gritos&Bochichos, em 6/9/2011.
Só penso que com o passar do tempo, o fato de nossos dentes perderem o vigor (ou simplesmente sumirem) apenas uma sopinha de letra pode esquentar nosso estomago.
ResponderExcluirCertamente, Paulo Laurindo! Enquanto isto não ocorre, continuemos a usar o direito de mastigar. Hahaha!
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