Cheguei a Niterói, vindo de Bom Jesus do Itabapoana, na bagagem dos meus vinte anos, em março de mil novecentos e sessenta e sete.
Trazia, dentre as bugigangas corriqueiras, a determinação
de fazer meu curso superior e a vaga de trabalho na Ótica Avenida, cujo sócio
proprietário, Chico Borges, era irmão dos meus antigos patrões, Zé e Joãozinho
Borges, em minha terra natal. Foram, inclusive, estes que conseguiram meu
emprego com aquele. Tudo em família. 
Era um domingo de manhãzinha, quando desci na rodoviária,
acompanhado de meu amigo e colega de escola Antônio Carlos Lepre, e já na manhã
de segunda-feira me apresentava para o emprego, com minha primeira e única
carteira de trabalho, ainda virgem de anotações. 
Por aquela ocasião, a Ótica tinha antigos e competentes
empregados: Aro, Dalmar, Luís, na loja, e Roberto e Nelson, na oficina. 
Dalmar me recebeu como um irmão mais novo, inexperiente
em cidade grande, a quem deveria orientar. Já casado e sem filhos até então –
pouco depois adotou um menino -, deveria estar por volta de seus quarenta anos.
E foi ele quem me iniciou em paladares distintos e
inusitados para a minha vivência de rapaz do interior. A ele devo boa parte da
minha experiência na gastronomia da cidade grande. Alguns pratos que
desconhecia, experimentei-os em função de incentivo seu ou mesmo
confraternizando com ele.
Certa vez, caminhando pela Rua Barão do Amazonas, quase
chegando à esquina da Avenida Amaral Peixoto, vi na lousa exposta diante do Bar
e Restaurante São Jorge, hoje inexistente, o anúncio em giz do prato do dia:
entremeada no feijão. Cheguei daí a pouco ao trabalho e perguntei a ele que
diabos significava aquele prato. Então ele me disse:
- Você vai saber daqui a pouco, na hora do almoço.
E fomos lá, por volta do meio-dia, almoçar no Bar e
Restaurante São Jorge. Antes que viesse o prato – é bom que se diga que meu
paladar é universal, por isso nunca tive receio de novidades -, ele me
explicou: é o feijão cozido com cane-seca nem muito gordurosa, nem muito magra;
quer dizer, com certo teor de gordura. E completou a informação de que era
comum, nesse tipo de restaurante popular, encontrar as três opções: magra,
entremeada e gorda no feijão.
Em outra ocasião, ele resolveu me apresentar à até então
minha desconhecida Sopa Leão Veloso. Saímos do trabalho e atravessamos as
barcas em direção ao Rio de Janeiro, para, na Praça Quinze, sorver aquela
maravilha da culinária, versão carioca da famosa bouillabaisse francesa, no
Restaurante Real Peixadas, oportunidade em que também fui apresentado à cachaça
Azulzinha de Paraty, que desceu macia, em caracol, garganta abaixo. Devo
confessar que, anos depois, já em 1998, por ocasião da Copa do Mundo da França,
meu filho e eu, após o jogo da Seleção contra a Laranja Mecânica, em Marselha,
fomos até um restaurante nas proximidades do porto, para conhecer a versão
francesa. A nossa dá de goleada, pelo menos naquela que tomamos.
Com frequência, Dalmar e sua esposa preparavam, para o
sábado após o expediente, grão-de-bico à moda portuguesa, que ele aprendera com
a lusitana que o havia criado, após a morte da mãe. E era um repasto saboroso,
pantagruélico, em torno da panela fervente daquela mistura olorosa do grão, com
carnes salgadas e legumes, acompanhado apenas por pão francês, cachaça de alambique
e cerveja gelada. Após o almoço, eu e outros convidados voltávamos para casa
com o prazer estampado na cara.
Outro prato que também conheci por sua influência foi
dobradinha à lombeira, que não conhecia em minha terra natal. Aliás, aprendi
também, que o nome do prato varia em alguns lugares do país, até mesmo em Portugal,
onde, na cidade do Porto, comi a versão original lusitana: tripas à moda.
Mesmo após ter saído do emprego na Ótica Avenida, onde
Dalmar continuara, pois era um competente técnico em ótica, vez ou outra era
convidado para novo tipo de experiência gastronômica com ele.
A ele devo esse aprendizado prazeroso que, embora seja
volátil no paladar físico, marca profundamente a memória sensorial das coisas
vividas e experimentadas. 
Meu amigo e irmão mais velho Dalmar, já passado dos seus
setenta anos, faleceu em Niterói.
Viva Dalmar!
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| Sopa de grão-de-bico (em arcadasportofado.pt). | 
 
