10 de setembro de 2025

O DIA EM QUE MORRI E NÃO SABIA

Corria o último dia vinte e dois agosto um tanto sorumbático.

Estava eu em Nova Friburgo, acompanhado da Jane, para o velório do irmão de um grande amigo. Eram exatamente 12h40, quando o celular, em modo mudo, pois já estávamos na cerimônia, vibrou anunciando mensagem do Whatsapp. Era o amigo José Antônio Lahud, diretamente da capital federal, em mensagem de voz – voz tentando disfarçar preocupação –, a me indagar:

- Saint-Clair, está tudo bem com você?

Ora, uma pergunta dessas, de um amigo distante com quem falo frequentemente, a fingir tranquilidade na voz, só pode ser sinal de alguma coisa errada. Respondi que sim, embora estivesse num velório. E quis saber dele o motivo da indagação:

- Está tudo bem comigo, tudo certinho. O que é que houve? Ouviu falar mal de mim, que eu morri, que eu bati as botas?

Ele então esclareceu que houve um ruído de comunicação, desde Bom Jesus do Itabapoana, minha terra natal, porque o amigo comum Luís Maiato entrara em contado com a notícia do meu passamento, desencarne, sublimação, ou o que quer que seja que indica que eu tivesse abotoado o paletó. Embora estivesse num velório, estava como amigo do morto, e não como morto, e gozando de plena saúde (Ou nem tanto. Alguém já beirando os oitenta não pode ficar ostentando plena saúde, porque até pega mal para uns e outros aí com azia e má digestão. Fora umas taxas suspeitas e uma artrose no joelho a aporrinhar a marcha.)

Dois dias após, ligo para minha irmã Elizabeth, a fim de confirmar dados de um passeio a Belo Horizonte, marcado para 21 de novembro próximo. Veja que tenho expectativa de vida até o final de novembro. Não posso fazer o falsete de sucumbir, já que as despesas estão todas programadas no cartão de crédito até quase o ano que vem. Depois do assunto principal, ela resolveu tocar no tema da minha presunta morte (para usar um adjetivo espanhol que se adequa à situação), dizendo que nosso amigo Pitota Silveira queria esclarecer a confusão em torno do meu passamento, uma vez que ele, em conversa com ela, percebera sua tranquilidade. Ora, a Beth saberia antes de mim, se o irmão tivesse falecido, foi o que acertadamente pensou o Pitota.

Em 29 de agosto, Pitota me solicita o número do celular, para esclarecer que correra em Bom Jesus a notícia da morte de um meu xará fonético, mas não ortográfico, Sancler Gomes, e isso acabou chegando aos ouvidos de queridos amigos que, muito simpaticamente, ficaram preocupados com minha saúde.

Ri da história e já havia até esquecido que morrera por pouco tempo, quando, nesta semana, encontro a amiga Ana Elisa Figueiredo, conterrânea e contemporânea de bancos escolares no Colégio Coronel Antônio Honório, em Bom Jesus do Norte, cidade-irmã de Bom Jesus do Itabapoana.

Ela também tivera notícia do meu desviver pela Marleide Silveira, também nossa antiga colega de escola e irmã do Pitota. Ana Elisa, inclusive, recebeu mensagem com a comunicação do velório e tentou tranquilizar a Leda, como a chamávamos à época, dizendo que não era eu, que meu nome era Saint-Clair Machado, ao que a amiga retrucou que eu poderia também ter Gomes no sobrenome. Ana Elisa não se lembrava de meu último sobrenome, mas tinha certeza de que não era Gomes. E, para deixar claro que não era eu o defunto, afirmou:

- O Saint-Clair tem o nome chique, em francês. E, além disso, está muito bem, porque me encontro sempre com ele aqui em Niterói.

Contudo, penso eu, para morrer basta estar vivo. E para meu conforto e sorte, Ana Elisa foi muito otimista com a minha pessoa física e fiscal. Vai que eu tivesse de fato morrido? É que, embora não tenha Gomes como sobrenome, sou parte desta família. Minha avó era Julinda Gomes Machado, assim como minha mãe, até se casar com meu pai: Maria José Gomes Machado.

Como vê o prezado leitor, estive morto para alguns amigos por um breve instante, mas fui resgatado das garras da Indesejada das Gentes, na dicção poética de Manuel Bandeira, por investigação eficiente nas modernas redes de comunicação de que dispomos. E também, por que não dizer, com um bom disse-me-disse! Se fosse no “tempo do cagar de coque”, como se falava outrora na minha terra, só depois do trânsito de cartas e telegramas, é que recuperaria meu CPF e minha frequência cardíaca costumeira: devagar, quase parando.



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