(Dedicado ao primo José Luís Azevedo)
Chovera por aqueles últimos dias, e a pequena baixada do Barro Preto, na estrada que vai da vila ao Jacó, estava cheia d’água, formando um pequeno charco, cuja profundidade subia um pouco além dos tornozelos dos dois meninos.
Eles iam a pé em direção à fazenda onde morava o Zé Luís,
um ano mais novo que seu primo, morador da vila. Ao entrarem na curva da
estrada, Zé Luís percebeu o coaxar de rãs e chamou a atenção do primo, a quem
convidou caçarem algumas delas. Como o primo nunca o fizera, Zé Luís deu as
instruções:
- A gente entra devagarinho no brejo, sem movimentar
muito a água. Aí observa, nas moitinhas de capim, se tem ajuntamento de bolhas.
Aí vai estar a rã respirando. Você estica o braço rápido e segura com força.
Vai pegar a rã pelo pescoço.
O primo, embora inexperiente na atividade, captou as
orientações perfeitamente.
E lá foram os dois, de mansinho, os pés descalços pisando
com cuidado o baixio encharcado ao lado da grande pedra arredondada, que dava a
identidade daquela curva da estrada, a meio caminho entre o Jacó e a Rua, nome
por que era identificada a vila. Em silêncio e medindo as passadas, mas com
gestos rápidos e firmes, os braços, como flechas ligeiras, projetavam-se em direção
à coroa de bolhas na pequena touceira de capim e dali tiravam uma gorda rã
distraída. Ao cabo de pouco tempo, os dois acumulavam nas mãos uns dois pares
daquele bicho carnudo e feioso, que esperneava vigorosamente para se libertar. No
entanto os meninos tinham as mãos como torqueses poderosas e mantinham os
anfíbios bem presos.
Quando já não conseguiam segurar mais daqueles batráquios
escorregadios, gosmentos, de pernas fortes, retomaram o trajeto em direção à
fazenda. Se algum passante por eles cruzasse, certamente estranharia aqueles
dois meninos, com seus dez-onze anos, a caminharem pela estrada levando quatro
rãs pelas mãos.
Duzentos metros à frente, no início da subida da estrada
em curva, localizava-se a entrada da propriedade do Lourinho Azevedo, cuja sede
se escondia atrás do morro. Um pouco após a porteira de entrada, no morro
pelado de vegetação alta, sobrelevava a casa humilde da Neguinha, sitiante do fazendeiro.
Zé Luís teve, então, a ideia de oferecer os bichos à
mulher pobre, que tinha filhos pequenos e muitas carências no viver. Ele
gritou, antes que transpusessem a porteira:
- Ô, Neguinha! Está em casa?
Neguinha chegou à janela, como a responder com sua figura
a pergunta do menino, que logo emendou:
- A gente pegou essas rãs. Você quer para o almoço?
Neguinha abriu um sorriso e respondeu afirmativamente. Naturalmente
ela não tinha nenhuma carne para dar às crianças naquele dia.
Os dois meninos subiram até a casinha de pau a pique –
cobertura de sapé já envelhecida -, levando as rãs capturadas. Com um
sorriso de felicidade estampada no rosto, Neguinha as pegou, colocou numa lata
grande e, de imediato, tampou com uma tábua. Todo o cuidado era pouco, para
que elas não fugissem.
Zé Luís quis saber do primo se ele já vira a rã pular na
panela, depois de morta e esquartejada. Claro que o primo nunca vira aquilo.
Assim resolveram esperar Neguinha matar os bichos, tirar-lhes o couro,
esquartejá-los, temperá-los com alho, sal, pimenta do reino e uma folha verde
que eles não identificaram, mas que parecia alfavaca.
Neguinha pegou sua panela de barro grande, deitou um
pouco de gordura de porco e esperou que o fogo principiasse a fazer seu
serviço. Assim que percebeu que a quentura estava adequada, começou a colocar
com cuidado os pedaços de rãs temperados na panela. Foi então que o primo, pela
primeira vez, viu com admiração a carne de rã tremelicando, desesperada como se
viva estivesse, ao contato com a gordura quente. E lhe passou pela cabeça o
sofrimento das bruxas que eram jogadas em óleo fervente, como nas histórias que
ouvia dos mais velhos.
Assim que as rãs se deram por vencidas e cessaram toda a bulha, Zé Luís e o primo se despediram da Neguinha e seguiram caminho até a fazenda, lá onde as brincadeiras davam o tom da vida normal daquelas crianças.
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