Jaé chegou agitado ao
botequim onde estávamos. Camisa cor de barro claro, botões dourados – apenas a
metade abotoada, deixando parte do peito à mostra –, cabelo enrolado brilhando
a gel, perfume popular invasivo, que deixou o ambiente empesteado com seu
cheiro, e um sorriso de cremalheira novinha. Foi saudado por boa parte dos que,
àquela hora, desfrutavam dos prazeres do paladar.
- Aí, Jaé!
- Fala, Jaé!
- Tudo em cima, Jaé?
Retornou os cumprimentos de
forma simpática e se dirigiu ao balcão daquele estabelecimento acanhado,
simples, sem a mínima sofisticação, mas capaz de regurgitar delícias das bocas
de seu fogão antigo, o que justificava a presença de tantos fregueses.
Logo pediu ao Marquinhos,
proprietário do local, um copo de 51 cheio e uma latinha de Coca. O copo é do
tipo americano, e a cachaça atingia a risca superior, quase palmeando a borda. Contou
reinações diversas, viagem a Grussaí, bailes variados, numa dicção um tanto
enrolada, parecendo segurar a dentadura, para que ela não pulasse da boca e
causasse lesões nos circunstantes. A seguir, abriu a lata do refrigerante,
acabou de encher o copo, apenas toldando a transparência da aguardente. Quando
me virei para pegar meu copo de cerveja – eu também estava com o umbigo
encostado ao balcão –, apenas percebi seu gesto de devolver o copo já vazio. Para
meu espanto, ele tomou de um só sorvo, num átimo, todo aquele conteúdo da
mistura que fizera. Marquinhos me olhou de soslaio, como a indagar se eu já
vira algo semelhante, e, pela minha expressão, teve a certeza de que era minha
primeira vez. Simples inocente eu era na arte de ingerir álcool.
Ele contou mais histórias engraçadas,
enquanto bebericava golinhos de Coca. Disse que estava indo para Laranjal, em
Minas, logo ali ao lado, para mais um dos bailes de fim de semana. Pediu ao
dono do botequim que lhe servisse mais pinga, agora apenas a metade do copo
americano. Despejou sobre a mardita o restinho de Coca, meteu a mistura para
dentro com o mesmo ímpeto, sem caretas e sem muxoxos, pagou os oito reais da
despesa e partiu em direção à van que o esperava na esquina junto ao posto de
gasolina, já com a lotação completa. Saiu falando "já é", razão do
apelido, em alto e bom som, para que todos se dessem conta de que seu destino
estava selado.
- Já é! Já é!
Os que ficaram bebendo
gabaram-lhe os dotes de dançarino mais do que requisitado: em vários bailes tem
o acesso liberado, sem necessidade de pagar ingresso. E também o fato de já
chegar calibrado aos salões, onde não gasta mais nada e consegue manter o corpo
esguio com aquela malemolência que o álcool produz, até o final da função. Se Jaé
não for, periga não haver dança. Nos rodopios e fricotes, como me asseveraram
os parceiros de libações, Jaé é insubstituível. Mais até do que no hospital da
cidade, onde exerce a nobre função de auxiliar de enfermagem, fazendo curativos
com esparadrapo e gaze e removendo espinho de laranjeira do pé de menino
imprudente.
Imagem colhida na Internet.
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