17 de novembro de 2021

O DANÇARINO

Jaé chegou agitado ao botequim onde estávamos. Camisa cor de barro claro, botões dourados – apenas a metade abotoada, deixando parte do peito à mostra –, cabelo enrolado brilhando a gel, perfume popular invasivo, que deixou o ambiente empesteado com seu cheiro, e um sorriso de cremalheira novinha. Foi saudado por boa parte dos que, àquela hora, desfrutavam dos prazeres do paladar.

- Aí, Jaé!

- Fala, Jaé!

- Tudo em cima, Jaé?

Retornou os cumprimentos de forma simpática e se dirigiu ao balcão daquele estabelecimento acanhado, simples, sem a mínima sofisticação, mas capaz de regurgitar delícias das bocas de seu fogão antigo, o que justificava a presença de tantos fregueses.

Logo pediu ao Marquinhos, proprietário do local, um copo de 51 cheio e uma latinha de Coca. O copo é do tipo americano, e a cachaça atingia a risca superior, quase palmeando a borda. Contou reinações diversas, viagem a Grussaí, bailes variados, numa dicção um tanto enrolada, parecendo segurar a dentadura, para que ela não pulasse da boca e causasse lesões nos circunstantes. A seguir, abriu a lata do refrigerante, acabou de encher o copo, apenas toldando a transparência da aguardente. Quando me virei para pegar meu copo de cerveja – eu também estava com o umbigo encostado ao balcão –, apenas percebi seu gesto de devolver o copo já vazio. Para meu espanto, ele tomou de um só sorvo, num átimo, todo aquele conteúdo da mistura que fizera. Marquinhos me olhou de soslaio, como a indagar se eu já vira algo semelhante, e, pela minha expressão, teve a certeza de que era minha primeira vez. Simples inocente eu era na arte de ingerir álcool.

Ele contou mais histórias engraçadas, enquanto bebericava golinhos de Coca. Disse que estava indo para Laranjal, em Minas, logo ali ao lado, para mais um dos bailes de fim de semana. Pediu ao dono do botequim que lhe servisse mais pinga, agora apenas a metade do copo americano. Despejou sobre a mardita o restinho de Coca, meteu a mistura para dentro com o mesmo ímpeto, sem caretas e sem muxoxos, pagou os oito reais da despesa e partiu em direção à van que o esperava na esquina junto ao posto de gasolina, já com a lotação completa. Saiu falando "já é", razão do apelido, em alto e bom som, para que todos se dessem conta de que seu destino estava selado.

- Já é! Já é!

Os que ficaram bebendo gabaram-lhe os dotes de dançarino mais do que requisitado: em vários bailes tem o acesso liberado, sem necessidade de pagar ingresso. E também o fato de já chegar calibrado aos salões, onde não gasta mais nada e consegue manter o corpo esguio com aquela malemolência que o álcool produz, até o final da função. Se Jaé não for, periga não haver dança. Nos rodopios e fricotes, como me asseveraram os parceiros de libações, Jaé é insubstituível. Mais até do que no hospital da cidade, onde exerce a nobre função de auxiliar de enfermagem, fazendo curativos com esparadrapo e gaze e removendo espinho de laranjeira do pé de menino imprudente.


Imagem colhida na Internet.


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