Pior
que o tombo foi a desatenção do filho preferido.
Dona
Hilda teve uma tontura, rodopiou no corredor da casa e caiu para trás, batendo
com a cabeça na parede. A sobrinha acorreu em socorro e a levou ao hospital
mais próximo. Não fora nada de pior, constatou o médico, após uma bateria de
exames. Apenas a contusão na nuca, que se chocou sem grande impacto contra o
reboco fofo da parede da casa simples. Nenhuma sequela a mais.
Voltou
para casa, com recomendação de que fizesse repouso e aguardasse a ocorrência de
possíveis outros sintomas até o próximo dia, com o que deveria se reportar ao
médico atendente. Se nada mais houvesse, seguisse a vida de noventa e dois anos
bem vividos, bem sacudidos, como até aquele dia. Despreocupadamente, como
dissera o médico. Dona Hilda tinha uma saúde praticamente inoxidável.
Nada
houve. E dona Hilda pôde voltar a cuidar da irmã doente, em casa de quem
ocorrera o acidente.
Contudo,
se não houve consequentes danos físicos, um dano ainda pior começou a minar seu
prazer em viver: o filho primogênito, seu xodó dentre a prole imensa, ainda não
havia ligado de Belo Horizonte, para saber como ela estava e, mesmo, se estava
viva. E aquilo começou a lhe remoer a alma, fazendo com que ficasse deprimida.
Depois
de quarenta e oito horas, prazo mais do que suficiente para a manifestação de
qualquer problema, mas já com o psicológico definitivamente abalado, o filho
ligou. Até mesmo uma sobrinha que estava de passeio pela Noruega, avisada pelo
grupo de Whatsapp da família, telefonara no mesmo dia do ocorrido, preocupada
com a saúde dela. E ele, logo ali em Beagá, a menos de cinco horas de Visconde
de Rio Branco, demorou infindáveis quarenta e oito horas para se lembrar da mãe
agora praticamente uma moribunda psicológica.
Melhor
não tivesse ligado.
O
filho se justificou com a mãe pela demora em entrar em contato, porque no dia
do acidente tinha saído com o Rex para uma volta na praça próxima à sua casa,
na Savassi, e, de repente, o Rex começou a vomitar inexplicavelmente sobre a
grama. Ele ficou apavorado, voltou célere a casa, pegou o carro e levou o cão
ao hospital veterinário de que sempre se vale, quando o Rex apresenta algum
problema. E lá ficou com o cachorro, que permaneceu internado para exames e
cuidados, sendo liberado apenas no dia seguinte, já lépido e fagueiro, curado
de um mal-estar por ter ingerido algo que lhe fizera mal.
E
então passara todo o dia seguinte cuidando da dieta do cão, a fim de que não
tornasse a repetir aquele episódio. Entretanto também nada de grave, como disse
à mãe ao final da sua justificativa.
A
mãe ouviu calada, mas preferia não ter ouvido. Sentiu-se preterida por aquele
maldito cachorro, que vivia mordendo suas pantufas confortáveis, quando se
hospedava na casa do filho, até o ponto de torná-las inúteis. Aquele mesmo
maldito cão que lhe devotava uma solene antipatia, sempre que ia lá passar uns
dias com o filho e a nora, como vinha ocorrendo com mais frequência, depois de
ter cedido sua casa para o neto desempregado e sua família. Aquele odioso
animal que sempre subia na cadeira a ela destinada durante o café da manhã, a
lhe demonstrar caninamente sua condição de intrusa.
A
depressão de dona Hilda piorou bastante desde então, tanto que se mudou para
Niterói, para ficar próxima da filha e do genro flamenguista que vive a lhe
perturbar a tranquilidade.
Do
tombo, já nem se lembra. Da ingratidão do filho, esta levará consigo para o
túmulo e para a eternidade.
Banana (foto do autor). |
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