9 de junho de 2017

BRASILEIRO CORDIAL


O brasileiro é um ser cordial. Apesar de não termos muita educação em público, pois sujamos as ruas, avançamos os sinais, dirigimos no acostamento, não cedemos o lugar para o menos apto, não cumprimentamos ao chegar, não agradecemos costumeiramente, apesar de tudo isso e de outras coisas mais, somos um ser cordial. Às vezes xingamos o outro no trânsito, ou viramos a cara para não falar com o vizinho do prédio, ou empurramos o outro à entrada do transporte público, mas, no fundo, no fundo, somos cordiais. Até mesmo roubamos seus pertences, invadimos sua privacidade, nos apossamos de seus dados bancários, clonamos seus cartões, utilizamos seus dados para nosso próprio benefício, mandamos vírus eletrônicos, trucidamos uns aos outros por qualquer bicicleta ou celular, mas somos cordiais.

Alguns de nós, no entanto, não são assim tão cordiais e manifestam isto em letra de forma.

Há algum tempo vi num botequim mais que pé-sujo, no trevo de subida para Itaipuaçu, onde parei para comprar água, um cartaz feito à mão, colado na ensebada estufa de salgadinhos, em que o microempresário manifestava seu descontentamento com certos clientes folgados, que querem aquilo por que não pagaram. Dizia ele lá, em letra de caneta pilot:
VÁ ACENDER SEU CIGARRO ONDE O COMPROU.
AQUI SE VENDE ISQUEIRO E FÓSFORO.
Assim, simplesinho, e com todo o jeito carinhoso que caracteriza nossa índole cordial. Sem ofender, nem nada. Só para o cliente amigo entender onde está se metendo.
Quando o vendeiro perguntou se a água era sem gás, concordei para não incomodar seu dia de labuta. Paguei a garrafa e fiquei receoso de pedir copo descartável. Achei melhor não importuná-lo ainda mais. Jane e eu beberíamos a água pelo gargalo mesmo. Liguei o carro e me escafedi do local rapidinho.
Mais recentemente, na última sexta-feira, desci do ônibus no Terminal João Goulart, no centro de Niterói. Ao chegar ao saguão da estação, vi no letreiro de uma loja de tabacos esta mimosura de cordialidade, agora dirigida aos “dimenor”:
SE VOCÊ AINDA NÃO TEM 18 ANOS. VÁ PARA
A LOJA DE DOCES QUE ESTÁ DO OUTRO LADO.

Achei tão simpática a mensagem, que a fotografei com o celular, bem verdade que um pouco à distância, para não ser brindado com observação, no mesmo tom, de algum funcionário do receptivo quiosque. Mas tive o cuidado de dar a volta, para ver se haveria algo do mesmo nível do lado oposto. E lá estava:

SE VOCÊ AINDA NÃO TEM 18 ANOS. VÁ PARA
A LOJA DE DOCES QUE ESTÁ ATRÁS DE VOCÊ.

E vi aquela imensa loja cheia de doces e biscoitos, naturalmente do mesmo dono do quiosque de tabaco. 

Somos ou não somos um povo cordial?

Quiosque de tabacos no Terminal João Goulart (foto do autor, via celular).
Quiosque no Terminal João Goulart (foto do autor).

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