Argeu,
Caburé e Pedro Moranga tinham em comum algumas coisas: trabalhadores rurais,
pobreza, calos nas mãos, mocotós inchados e uma verdadeira paixão pela pinga. O
trabalho da semana era todo sorvido em goles de branquinha, no mais das vezes
sem acompanhamento de tira-gosto, porque o gostoso era o gosto da gostosa. Eta,
calibrina boa! Eta, cachacinha dos diabos! Nem davam pro santo: podia faltar
pros pecadores.
Invariavelmente
chegavam à vila nas minúsculas tardes de sábado, cada um por um caminho: Argeu,
dos lados da Fazenda da Liberdade; Caburé, dos lados do Izamor; Pedro Moranga,
dos lados da Vala.
Entortavam
na camulaia até domingo, cada um atirado em uma calçada: Argeu, em frente à
máquina do Elias Penudo; Caburé, diante da venda do Cirilo; Pedro Moranga,
próximo ao bar do Manuel Ribeiro. Ou sabe-se lá, onde! Rodizio constante.
Se
um moleque implicasse, sempre a mesma resposta: Vai à puta-que-te-pariu! A
diferença só na impostação da voz pastosa da bendita.
Nas
infindas noites de domingo, cada um pegava o cambaleante caminho de volta
- Que estrada estreita, sô! -, trocando pernas, cuspindo balebas, chapéu
enterrado na cabeça, a sujeira das calçadas nas roupas. Às vezes um saco
alvejado às costas, com os mantimentos para uma semana de trabalho duro. Às
vezes uma leveza no corpo, a cabeça esbarrando no clarão da lua. Às vezes o
peso dos séculos sobre os ombros tão doídos, tão banhados de sol...
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Vincent Van Gogh, Os bebedores, 1890 (em museodelarte.blogspot.com). |
Tanta gente pelas calçadas; tantos sonhos anestesiados pelos goles das branquinhas; tantos seres desiludidos; tantos que se rendem e caem no esquecimento das nossas cidades... O olhar sensível recorda, registra, expõe e humaniza: gente da nossa terra, gente do Brasil! Parabéns pelo texto, Saint-Clair: grande abraço!
ResponderExcluirDelicioso texto.
ResponderExcluirComo dizia um tio meu, que tinha andado , em França, na 1ª Grande Guerra:
Só apanhei uma bebedeira na minha vida, foi no dia em cheguei a casa, vindo de França. Bebi tanto vinho que mal cheguei à cama, deitei-me vestido e tudo! Eu estava bem, o quarto é que andava todo à roda!...
Hahaha! Deve ser esta exatamente a sensação.
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