10 de maio de 2016

RECUERDOS DE YPACARAÍ*


1. Em Duque de Caxias, na década de 60, um engraçadinho resolveu fazer a rifa de um porco para o Natal. A extração ocorreria na semana anterior, o que daria tempo a que o vencedor preparasse o suíno, com a arte necessária, para a ceia natalina.
Vendeu todos os bilhetes antecipadamente, e, no dia da extração, apareceu à sua porta um grandalhão mal-encarado com o bilhete agraciado no primeiro prêmio, condição básica para levar o capado.
O homem pegou o bilhete, conferiu e foi até o interior da casa. De lá voltou com um porquinho de cerâmica, desses tipo cofre de moedas, e entregou ao feliz vencedor.
Foi morto com uma peixeira bem na altura do coração, que é para não tentar fazer mais ninguém de bobo.

2. No município ao lado, Nova Iguaçu, em terreiro concorrido, o pai de santo sempre incorporava um tal Caboclo Mamadô, nas sessões de sexta-feira à noite. Como só mamasse os seios novinhos da menina de quinze anos, filha de um nordestino arretado, foi sangrado como um porco magro, com caboclo incorporado e tudo, e lá ficou estrebuchando, enquanto o carregador da peixeira tentava fugir, embora tenha sido contido pelos demais devotos de tão espiritual homem.
Na delegacia, explicou ao delegado que havia reparado que o pai de santo só mamava nos seios da sua filhinha, enquanto as muxibas das velhas expostas ao sacrifício santo ficavam intactas.

3. Na minha Carabuçu dos anos 50-60, circulava um cidadão que se dizia índio puri, alcunha por que era identificado. Falava atropeladamente e vivia da caridade pública, ganhando um dinheirinho aqui e ali, fazendo favores a uns e outros. Se não me falha a memória, ele se apresentava assim: “Pedro Pereira Puri, nascido em Capiun, criado em Capiun”. Capiun era o jeito esquisito de pronunciar Itaperuna. Pelo que sei, já não havia mais índios puris por Itaperuna.
Um dos favores que, de vez em quando se prestava a fazer, era comer uma barata viva diante de algumas mulheres que conversassem distraidamente na calçada. Ele chegava com a barata na mão fechada, cumprimentava as mulheres, abria a bocarra, jogava a nojenta lá dentro e dava umas mastigadas de boca aberta – a barata sendo esmigalhada por seus dentes –, para que fosse visto. Não é preciso dizer que a debandada era geral, com gritos e xingamentos ao Puri.
Depois do serviço feito, dirigia-se até o contratante e recebia, invariavelmente, uma nota de cinco cruzeiros, daquelas antigas, com o Barão do Rio Branco estampado em uma das faces.

Imagem em class.posot.com.br

4. Jacy sumiu de Carabuçu. Ele lá recebera o desonroso apelido de Vorta Égua. Na época, não se podia assim chamá-lo, sem que briga certa fosse armada. Contudo, pelas costas, era desta forma que era identificado, já que havia outros Jacys pela vila: Jacy Vorta Égua.
E a razão do apelido é ainda mais melancólica. Como na vila não houvesse a tal zona do meretrício – vila pequena, de gente recatada –, com certa frequência uns e outros lançavam mão da velha zoofilia, para atender “seus baixos instintos”, na fala do nosso capelão.
Certa noite, Jacy se dirige ao pasto próximo, pega aquela égua sua velha conhecida, leva-a até o barranco mais próximo e, quando está em ponto de bala para consumar o coito, a ingênua equina se afasta candidamente do local, o que motiva o desesperado Jacy a gritar no vão da noite estrelada de Carabuçu:
- Vorta, égua! Vorta, égua!
Dezenas de anos depois, vi-o a tomar cafezinho no extinto Monterey, na Rua Dom Manuel, próximo ao meu trabalho, e não lhe dirigi a palavra, porque ele falava mal de Leonel Brizola, político da minha admiração.

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* "Canción guarania con letra de Zulema de Mirkin y música de Demetrio Ortiz," (es.wikipedia.org)

3 comentários:

  1. Hahahahahahahahahahahahahahahahahahaha...

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  2. Histórias do interior, de gente do interior, do nosso país tão rico em diversidades... coisas que nos acompanham pela vida toda. Grande abraço Saint-Clair.

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  3. Carabuçu e as suas histórias... e a pena de Saint-Clair que tão bem as escreve! Para mim, são sempre espantosas!...

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