21 de julho de 2014

MINHA MÃE


Minha mãe foi andando à igreja para pedir a unção dos enfermos, que, há uns tempos, tinha o nome fatídico de extrema-unção. Muito religiosa, resolveu preparar “sua chegada lá em cima”, conforme me disse.

Em seguida, viajou a Muriaé, onde dois de seus netos são médicos, para um exame mais meticuloso de suas veias e artérias, suspeitas de estarem preparando alguma tramoia em sua vida de oitenta e oito anos.

Minha mãe nunca teve a mania de ficar doente. Sempre esteve com a saúde em dia, embora por agora algumas novidades a têm incomodado, sem que ela se dê muito conta disto. Como uma diabetes, herdada de sua mãe, a Maína, que ela teima em fingir desconhecer, pois consome açúcar com uma sem-cerimônia de meter medo. E o tal coração.

Sem prestar muita atenção a este órgão ritmista, vinha sentido certo cansaço ao andar uns tantos quantos metros entre as duas Bom Jesus, uma no Rio de Janeiro e outra no Espírito Santo, onde mora. E punha o tal cansaço no débito de sua idade. Até ela sabe que a idade é uma realidade a que não se foge, nem mesmo se fingindo de forte.

Certa vez, vi uma entrevista na tevê em que um cardiologista afirmava que, depois dos oitenta anos, não há coração cem por cento sadio. Há sempre algum problema – maior ou menor – para despertar nossa preocupação. E o coração da dona Zezé não poderia fugir à regra.

Na verdade, não é propriamente o coração que lhe esteja a causar esse incômodo. São as artérias e as veias que chegam e saem, a apresentar problemas de tráfego sanguíneo. Os exames constataram que a artéria descendente – se não me falha a memória – já estava com obstrução na casa dos noventa por cento. O cirurgião resolveu que, com oitenta e oito anos, não se abre o peito de uma senhora para futucar suas artérias. E optou por introduzir aquelas molinhas salvadoras – os tais stents – por um meio menos traumático. E foi o que fez.

Só que, diante do quadro encontrado – até mesmo com calcificação na concentração de colesterol na parede arterial – decidiu implantar dois objetos naquela artéria, deixando as outras duas para depois.

Agora ela aguarda, lépida e fagueira, que o médico a convoque a voltar ao hospital para a nova intervenção. Que a deixará remoçada em mais de vinte anos em seus recônditos venais e arteriais, para nossa alegria e felicidade.

E despreocupada como sempre, apesar dos novos medicamentos acrescentados à sua vida diária, não deixa de comer sua carne de porco, nem de experimentar este ou aquele novo doce que minha irmã faz, malgrado toda indicação em contrário.

Certamente, da próxima vez, voltará à igreja, ainda mais sadia, para solicitar ao padre a unção dos enfermos. Que ela não quer chegar do outro lado desprevenida.



Imagem em eco4.wordpress.com.

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