1 de dezembro de 2025

VALER A PENA

Ainda bem menino 
Dependurei meu sorriso 
No varal do paraíso 
Bem em frente ao infinito. 

E considerei que isso 
Fosse suficiente 
Tirante as dores pungentes 
Que por acaso sentisse 
Para me manter vivo. 

Hoje tenho certeza 
Depois do chão percorrido 
De que vale mais a pena 
Chorar embora sorrindo 
Que ter um riso sofrido.

Foto do autor.


29 de outubro de 2025

TIPO ASSIM (IX) - DALMAR SILVA

Cheguei a Niterói, vindo de Bom Jesus do Itabapoana, na bagagem dos meus vinte anos, em março de mil novecentos e sessenta e sete.

Trazia, dentre as bugigangas corriqueiras, a determinação de fazer meu curso superior e a vaga de trabalho na Ótica Avenida, cujo sócio proprietário, Chico Borges, era irmão dos meus antigos patrões, Zé e Joãozinho Borges, em minha terra natal. Foram, inclusive, estes que conseguiram meu emprego com aquele. Tudo em família.

Era um domingo de manhãzinha, quando desci na rodoviária, acompanhado de meu amigo e colega de escola Antônio Carlos Lepre, e já na manhã de segunda-feira me apresentava para o emprego, com minha primeira e única carteira de trabalho, ainda virgem de anotações.

Por aquela ocasião, a Ótica tinha antigos e competentes empregados: Aro, Dalmar, Luís, na loja, e Roberto e Nelson, na oficina.

Dalmar me recebeu como um irmão mais novo, inexperiente em cidade grande, a quem deveria orientar. Já casado e sem filhos até então – pouco depois adotou um menino -, deveria estar por volta de seus quarenta anos.

E foi ele quem me iniciou em paladares distintos e inusitados para a minha vivência de rapaz do interior. A ele devo boa parte da minha experiência na gastronomia da cidade grande. Alguns pratos que desconhecia, experimentei-os em função de incentivo seu ou mesmo confraternizando com ele.

Certa vez, caminhando pela Rua Barão do Amazonas, quase chegando à esquina da Avenida Amaral Peixoto, vi na lousa exposta diante do Bar e Restaurante São Jorge, hoje inexistente, o anúncio em giz do prato do dia: entremeada no feijão. Cheguei daí a pouco ao trabalho e perguntei a ele que diabos significava aquele prato. Então ele me disse:

- Você vai saber daqui a pouco, na hora do almoço.

E fomos lá, por volta do meio-dia, almoçar no Bar e Restaurante São Jorge. Antes que viesse o prato – é bom que se diga que meu paladar é universal, por isso nunca tive receio de novidades -, ele me explicou: é o feijão cozido com cane-seca nem muito gordurosa, nem muito magra; quer dizer, com certo teor de gordura. E completou a informação de que era comum, nesse tipo de restaurante popular, encontrar as três opções: magra, entremeada e gorda no feijão.

Em outra ocasião, ele resolveu me apresentar à até então minha desconhecida Sopa Leão Veloso. Saímos do trabalho e atravessamos as barcas em direção ao Rio de Janeiro, para, na Praça Quinze, sorver aquela maravilha da culinária, versão carioca da famosa bouillabaisse francesa, no Restaurante Real Peixadas, oportunidade em que também fui apresentado à cachaça Azulzinha de Paraty, que desceu macia, em caracol, garganta abaixo. Devo confessar que, anos depois, já em 1998, por ocasião da Copa do Mundo da França, meu filho e eu, após o jogo da Seleção contra a Laranja Mecânica, em Marselha, fomos até um restaurante nas proximidades do porto, para conhecer a versão francesa. A nossa dá de goleada, pelo menos naquela que tomamos.

Com frequência, Dalmar e sua esposa preparavam, para o sábado após o expediente, grão-de-bico à moda portuguesa, que ele aprendera com a lusitana que o havia criado, após a morte da mãe. E era um repasto saboroso, pantagruélico, em torno da panela fervente daquela mistura olorosa do grão, com carnes salgadas e legumes, acompanhado apenas por pão francês, cachaça de alambique e cerveja gelada. Após o almoço, eu e outros convidados voltávamos para casa com o prazer estampado na cara.

Outro prato que também conheci por sua influência foi dobradinha à lombeira, que não conhecia em minha terra natal. Aliás, aprendi também, que o nome do prato varia em alguns lugares do país, até mesmo em Portugal, onde, na cidade do Porto, comi a versão original lusitana: tripas à moda.

Mesmo após ter saído do emprego na Ótica Avenida, onde Dalmar continuara, pois era um competente técnico em ótica, vez ou outra era convidado para novo tipo de experiência gastronômica com ele.

A ele devo esse aprendizado prazeroso que, embora seja volátil no paladar físico, marca profundamente a memória sensorial das coisas vividas e experimentadas.

Meu amigo e irmão mais velho Dalmar, já passado dos seus setenta anos, faleceu em Niterói.

Viva Dalmar!


Sopa de grão-de-bico (em arcadasportofado.pt).


27 de setembro de 2025

POÉTICA ESDRÚXULA

Lúgubre/tétrico

Lúbrico/tórrido

Lânguido/tépido

Lírico/tácito

Lívido/tísico

Límpido/típico

Lógico/tóxico

Lúdico/túmido

Lúcido/tímido

Lépido/trêfego


Pedra do Índio, Niterói (foto do autor).



10 de setembro de 2025

O DIA EM QUE MORRI E NÃO SABIA

Corria o último dia vinte e dois agosto um tanto sorumbático.

Estava eu em Nova Friburgo, acompanhado da Jane, para o velório do irmão de um grande amigo. Eram exatamente 12h40, quando o celular, em modo mudo, pois já estávamos na cerimônia, vibrou anunciando mensagem do Whatsapp. Era o amigo José Antônio Lahud, diretamente da capital federal, em mensagem de voz – voz tentando disfarçar preocupação –, a me indagar:

- Saint-Clair, está tudo bem com você?

Ora, uma pergunta dessas, de um amigo distante com quem falo frequentemente, a fingir tranquilidade na voz, só pode ser sinal de alguma coisa errada. Respondi que sim, embora estivesse num velório. E quis saber dele o motivo da indagação:

- Está tudo bem comigo, tudo certinho. O que é que houve? Ouviu falar mal de mim, que eu morri, que eu bati as botas?

Ele então esclareceu que houve um ruído de comunicação, desde Bom Jesus do Itabapoana, minha terra natal, porque o amigo comum Luís Maiato entrara em contado com a notícia do meu passamento, desencarne, sublimação, ou o que quer que seja que indica que eu tivesse abotoado o paletó. Embora estivesse num velório, estava como amigo do morto, e não como morto, e gozando de plena saúde (Ou nem tanto. Alguém já beirando os oitenta não pode ficar ostentando plena saúde, porque até pega mal para uns e outros aí com azia e má digestão. Fora umas taxas suspeitas e uma artrose no joelho a aporrinhar a marcha.)

Dois dias após, ligo para minha irmã Elizabeth, a fim de confirmar dados de um passeio a Belo Horizonte, marcado para 21 de novembro próximo. Veja que tenho expectativa de vida até o final de novembro. Não posso fazer o falsete de sucumbir, já que as despesas estão todas programadas no cartão de crédito até quase o ano que vem. Depois do assunto principal, ela resolveu tocar no tema da minha presunta morte (para usar um adjetivo espanhol que se adequa à situação), dizendo que nosso amigo Pitota Silveira queria esclarecer a confusão em torno do meu passamento, uma vez que ele, em conversa com ela, percebera sua tranquilidade. Ora, a Beth saberia antes de mim, se o irmão tivesse falecido, foi o que acertadamente pensou o Pitota.

Em 29 de agosto, Pitota me solicita o número do celular, para esclarecer que correra em Bom Jesus a notícia da morte de um meu xará fonético, mas não ortográfico, Sancler Gomes, e isso acabou chegando aos ouvidos de queridos amigos que, muito simpaticamente, ficaram preocupados com minha saúde.

Ri da história e já havia até esquecido que morrera por pouco tempo, quando, nesta semana, encontro a amiga Ana Elisa Figueiredo, conterrânea e contemporânea de bancos escolares no Colégio Coronel Antônio Honório, em Bom Jesus do Norte, cidade-irmã de Bom Jesus do Itabapoana.

Ela também tivera notícia do meu desviver pela Marleide Silveira, também nossa antiga colega de escola e irmã do Pitota. Ana Elisa, inclusive, recebeu mensagem com a comunicação do velório e tentou tranquilizar a Leda, como a chamávamos à época, dizendo que não era eu, que meu nome era Saint-Clair Machado, ao que a amiga retrucou que eu poderia também ter Gomes no sobrenome. Ana Elisa não se lembrava de meu último sobrenome, mas tinha certeza de que não era Gomes. E, para deixar claro que não era eu o defunto, afirmou:

- O Saint-Clair tem o nome chique, em francês. E, além disso, está muito bem, porque me encontro sempre com ele aqui em Niterói.

Contudo, penso eu, para morrer basta estar vivo. E para meu conforto e sorte, Ana Elisa foi muito otimista com a minha pessoa física e fiscal. Vai que eu tivesse de fato morrido? É que, embora não tenha Gomes como sobrenome, sou parte desta família. Minha avó era Julinda Gomes Machado, assim como minha mãe, até se casar com meu pai: Maria José Gomes Machado.

Como vê o prezado leitor, estive morto para alguns amigos por um breve instante, mas fui resgatado das garras da Indesejada das Gentes, na dicção poética de Manuel Bandeira, por investigação eficiente nas modernas redes de comunicação de que dispomos. E também, por que não dizer, com um bom disse-me-disse! Se fosse no “tempo do cagar de coque”, como se falava outrora na minha terra, só depois do trânsito de cartas e telegramas, é que recuperaria meu CPF e minha frequência cardíaca costumeira: devagar, quase parando.



                                                    Foto do autor do autor.


8 de setembro de 2025

NOVO LIVRO NA PRAÇA

 Amigos leitores, acabo de publicar este novo livro de contos pelo Clube de Autores. Nestes primeiros 30 dias, em pré-lançamento, a editora oferece um desconto sobre o preço de capa.

Neste livro reuni diversos contos postados em meus blogs Asfalto&Mato e Gritos&Bochichos. Uns bem próximos da realidade; outros nem tanto. Como sempre, porém, todos com certo bom humor na temática e na forma.

Para os que se dispuserem a me honrar com a aquisição, que agradeço antecipadamente, aí vai o link do Clube do Livro:


15 de agosto de 2025

AONDE VAIS, LINDA GABI?

(Para minha neta, uma jovem incomum.) 

Aonde vais, linda Gabi, 
Com um sorriso no rosto? 
- Ver as cores do sol posto. 

Aonde vais, linda Gabi, 
Com jeitinho de menina? 
- Mostrar não ser mais franzina. 

Aonde vais, linda Gabi, 
Com o passo resoluto? 
- Em busca do meu futuro. 

Aonde vais, linda Gabi, 
Com este aroma de flores? 
- Encontrar os meus amores. 

Aonde vais, linda Gabi, 
Com os cabelos ao vento? 
- Renovar meus sentimentos. 

Aonde vais, linda Gabi, 
Com este jeito de mulher? 
- Enfrentar o que vier. 

Aonde vais, linda Gabi, 
Após a viagem de ida? 
- Construir a minha vida. 

Aonde vais, linda Gabi, 
Por este mundo sem fim? 
- Confirmar de onde eu vim!



Foto do autor.

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Poema escrito em 2023, quando Gabriela, aos dezoito anos, partiu para cursar Economia na Penn State University, nos EUA.

29 de julho de 2025

VINDIMA

Ter as mãos prontas para as bagas

e usá-las com carinho

sobre os seios

cujo sumo alimentará os sonhos.

A verdade estará

a partir daí

no líquido encorpado

que se há de produzir e guardar

em tonéis envelhecendo…

Nossas línguas se soltarão

ao sabor do vento sobre a videira

e nossos corpos experimentarão

o agridoce sopro

desta vindima farta.


Vindima, por Francesco Gioli (1846-1922), colhida em meisterdruck.pt.