Você é casado, é a hipótese. Portanto está sob o
jugo da mulher. Às vezes, há casais em que o homem tem a palavra final sobre o
doméstico – este sofá vai ficar aqui, e pronto! -, mas, geralmente, tal
território é quase todo feminino.
O homem, às vezes, se torna um estorvo, quando
fica em casa. Esta é uma das pragas que rondam os aposentados. Param de
trabalhar e ocupam um espaço e um tempo maior do que o conveniente, os quais
não estavam previstos no contrato pré-nupcial. Aliás, não há contrato
pré-nupcial que preveja o homem voltar para casa, vestir pijama e ficar vendo
jogo na televisão, escarrapachado sobre o sofá da sala como um capado na
engorda, tomando cerveja pelo gargalo da garrafa. Não há mulher que assine
embaixo de uma cláusula dessas. Então começam a ocorrer os conflitos de
jurisdição: Que território pertence a quem? Até onde se pode ir?
Ao homem, com certeza, cabe o menor dos
minifúndios do lar. Aí, ele tenta ampliar seus domínios, enchendo a prateleira
da geladeira com garrafas de cerveja e lascas de presunto de Parma, alguns
queijos franceses cheios de fungos.
Não há nada mais tipicamente machista - no que
esta palavra tem de carga positiva ou negativa - do que a ocupação cervejal
deste tipo de território. Isto equivale, guardadas as devidas proporções, ao
animal urinar em pontos do terreno que pretende reservar como seu domínio.
A mulher, por uma mera questão de convivência
pacífica, absorve o golpe, desde que ele se restrinja apenas à menor
prateleira. A menos que seja ela também pinguça, como várias que eu conheço e
que preferem cerveja a iogurtes e queijos cottage de paladar zero. Caso contrário
- e também sei de alguns casos -, na primeira crise de TPM, a esposa verte no
ralo da pia algumas louras geladas compradas a peso de ouro naquele empório
metido a besta, localizado no Santo Cristo. A sensação masculina, ao saber da
sangria, é a da perda inapelável de aplicações na Bolsa.
Mas há outros pontos de atrito, outras zonas de
conflito, tipo Faixa de Gaza, como a manutenção daquelas coleções de revistas
que o parceiro adquire periodicamente na banca de revista do Antônio, ali em
frente à agência bancária da Miguel de Frias. E guardadas anos a fio, com certa
devoção religiosa, que só ele percebe e entende.
Num daqueles rompantes femininos, de que o bicho
homem tem um medo terrível, originário lá da época das cavernas, ela resolve
dar uma arrumação nos armários da casa, ordenar os papéis. É que não há mulher
normal que goste de papel velho. Isto é coisa de homem. Do homem e seus gostos
esquisitos. E ela começa a desalojar todo objeto papel de que o homem dispõe e
deixa guardado, não se sabe por que e por quanto tempo, aqui, ali e acolá.
Começam os papéis a ser desalojados de seus antigos locais de sono hibernal, sendo,
então, dispostos sobre as camas, as cadeiras, as mesas e o chão, numa
desarrumação acintosa. Por todos os lugares em que sua presença não seja
prevista pelas normas do casamento e das leis gerais da arrumação doméstica.
E, se, enquanto estiveram guardados, estavam
longe dos olhares de todos, agora ali, por todos os lados, começam a incomodar
terrivelmente.
E a mulher determina:
- Dê um jeito nisso!
Ora, como dar jeito se ela é que fez ficar sem
jeito? Estavam todos guardados. Na verdade, o jeito que ela pretende que se dê
é jogar tudo fora, vender para ferro velho de papel, jogar no incinerador do
prédio – quando havia incineradores em prédios -, menos nos lugares em que
dormiam seu tranquilo sono.
Tenho um amigo que, há algum tempo, passou pelo
constrangimento de ver sua coleção d’O Pasquim ser colocada no corredor do
décimo terceiro andar, com um bilhete de despejo em cima. Quando chegou da
faculdade onde dava aulas, à noite, quase teve um insulto cardíaco. E ameaçou
não mais entrar em casa, caso sua coleção não entrasse de volta com ele. A
esposa vacilou e acedeu.
A trégua durou até o dia seguinte, quando ele
levou todos os jornais para doação ao diretório acadêmico. Foi como um desquite
litigioso (À época, não havia divórcio.).
Agora, ali, no canto do quarto, está aquela
pilha de revistas de viagem e turismo desalojada de seu repouso eterno,
aguardando o “jeito” exigido pela parte forte da relação.
O homem abre uma cerveja, pensa na perdida
coleção d’O Pasquim e se conforma. Vai encontrar um coração amigo que abrigue
as revistas, sob módico valor, já que são usadas.
E não há como se acreditar nem nas coisas
sólidas, porque elas acabam por se esboroar na atmosfera rarefeita das relações
matrimoniais.
Imagem em mundopessoa.blogs.sapo.pt. |
É por essas e outras que a turma vive construindo um puxadinho.
ResponderExcluirHihihi! É verdade, Paulo Laurindo.
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