(Para a amiga Cléia Miranda, que me contou a anedota há alguns anos.)
Belarmino
Fontinha chegou a Espera Feliz cheio de planos. Ninguém na cidade o tinha visto
mais gordo. Ele era, assim, completamente desconhecido de todos. Melhor para
ele, pensou de si para consigo.
Belarmino
tinha planos mirabolantes para enricar, fazer seu pé de meia e partir para uma
posterior aposentadoria de colarinho folgado e pantufas de algodão, em algum
lugar de serra de temperatura amena e ar saudável, livre de muriçoca,
pernilongo e borrachudo. Já tinha sofrido contravapores demais da vida.
Ele
estivera antes, por um par de anos, em Guiricema, cidadezinha também mineira
quase pacata, não fossem alguns valentões apreciarem resolver questiúnculas de
somenos importância na base do sopapo, do porrete, da faca e da garrucha.
Chegou
à cidade com seus poucos teréns no ônibus proveniente de Manhuaçu, depois de um
périplo cujo itinerário levantava suspeitas de algum malfeito anterior, e
foi se instalar com sua farta pessoa, a não caber em manequim apertado, num dos
quartos do simpático Hotel dos Viajantes.
No
café da manhã, recheado de broa de fubá, favas de jaca manteiga e queijo
curado, assuntou com o proprietário da hospedaria, de nome Horácio Peixoto, sobre a pujança do comércio
local, já que vinha tencionado em abrir estabelecimento na praça. O homem
deu as indicações mais precisas possíveis, enumerou as barbearias, as
farmácias, as vendas de secos-e-molhados, os botequins, o único restaurante,
que, por sinal, ficava nas dependências do hotel, e mais uma ou outra quitanda
bem sortida de frutas, legumes e verduras da terra. Por esse tempo, restinho de
primeira metade do século passado, Espera Feliz ainda era uma cidade um tanto
acanhada em dimensões, mas próspera e trabalhadora, como afiançou o
estalajadeiro.
Belarmino,
como de sempre, arrotou importâncias, teres e haveres de que disporia, seu
pretenso tino para negócios de vulto, e garantiu que sua presença ali iria
alavancar o progresso da cidade, agora despertada para um tal turismo de subir
morro e andar no meio do mato, incipiente ainda, mas muito promissor, porque os
livros escolares apontavam o Pico da Bandeira, não muito distante, na Serra do
Caparaó, como o ponto culminante do nosso torrão natal. O povo está começando a
dar valor a essas coisas, amigo Peixoto! - foi o que asseverou ao dono do hotel, já montado numa amizade franca.
Estômago
forrado, foi procurar lugar em que abriria seu negócio de vulto. Encontrou não
muito longe, numa rua próxima à praça da cidade, local apropriado: não muito
grande, não muito caro em aluguel e já com alguma mobília de serventia,
sobretudo o balcão à entrada, que deixava a parte interna protegida, para cujo
acesso bastava levantar o tampo que se apoiava sobre um sarrafo na parede
esquerda de quem entra.
Sem
muito alarde de alto-falante, mas com panfletos que fez distribuir por um
moleque, a quem retribuía com algum trocado, anunciou a abertura de poderosa
agência de apostas do afamado jogo do bicho, por essa ocasião ainda bastante
tolerado nas cidades menores do interior do país.
No
papelucho, afiançava pagar os prêmios em dinheiro vivo, sem delongas, como era
do seu feitio de trabalhar com gente honrada como o povo da terra. O sorteio válido
para as apostas era o da capital, cujo resultado se divulgava nas ondas de uma
rádio poderosa de lá. A exceção de praxe era para os dias em que corresse o
prêmio da Federal. Aí valia a Federal.
O
sucesso foi quase imediato. Acorreram à sua mal instalada loja os magotes de esperançosos
de sempre que se espalham como capim-tiririca por esses brasis afora, sempre aguardando a providência divina a lhes aliviar os sofrimentos. E todos
eles, graças a São Cipriano, para quem Fontinha baixava sempre suas
preocupações, de muito maus palpites.
Até
que na quinta-feira seguinte – segunda semana em que se instalara na praça –,
um circunstante de nome Godofredo Trabuco, dos Trabuco de Chiavari, na Ligúria
italiana, e com péssimas avaliações no quesito harmonia acertou na cabeça, sem
cercadura, o milhar da vaca.
Após conferir o resultado, o apostador correu ao estabelecimento e esfregou nas
fuças de Belarmino a pule premiada. Quando o banqueiro viu o estrago do prêmio,
arrazoou com o ganhador que tal dinheiro, no volume que era, não estava
disponível com ele naquele momento, que ele não era maluco de guardar tamanha riqueza em
colchão de crina de cavalo. Assegurou para ele, no entanto, que, logo após o
almoço do dia seguinte, sexta-feira, poderia voltar ao estabelecimento, de
posse da pule milionária, que ele lhe faria o pagamento com o montante a ser
retirado do banco em Carangola.
Nem
bem bateu meio-dia de sexta-feira e mal palitados os dentes do almoço, Godofredo
Trabuco rumou em direção à loja de Belarmino Fontinha com seu passaporte para a
riqueza no bolso da camisa. Em lá chegando, deu de cara com o estabelecimento
fechado, ostentando na porta única de entrada cartaz escrito em vacilante letra
de forma:
POVO DE ESPERA FELIZ,
SERRA DO
CAPARAÓ,
QUEM QUISER
DINHEIRO FÁCIL
VAI PEGAR NO
CU DA VÓ.
E
nunca ninguém jamais, em tempo algum, ouviu falar de um tal Belarmino Fontinha,
ou Setembrino Conceição, ou Ariobaldo Cisneiros, ou Secundino Bragança, que
eram os nomes que o malandro usava para aplicar golpes nas cidadezinhas
descuidadas do interior das Minas Gerais, das quais tinha de fugir às pressas,
para não levar uns portentosos catiripapos no meio dos cornos.
Imagem em pt.depositphotos.com. |
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