Está
vendo aquele senhorzinho magro que ali vai, chapéu de feltro na cor pino, já de
certo uso, a cobrir seus cabelos brancos? É o meu avô, a quem todos da família - filhos e netos - chamamos Papai Juquinha.
Ele está
acordado desde as cinco da manhã e tomou seu banho frio como sempre. Nunca reclamou
da temperatura da água. Nem no inverno; muito menos, no verão!
Preste
atenção agora aos seus passos lentos, o tronco um pouco arqueado sobre a linha
da cintura, as mãos cruzadas atrás, sobre o quadril. Vai em direção à máquina
de café, que gerencia para o turco
Quirino, libanês que mora em Bom Jesus.
Repare
na sua roupa simples: calça cáqui, camisa de algodão de manga curta, com as
fraldas sempre para dentro; cinto de couro surrado e botinas velhas. Simples,
mas asseada.
Veja
seus olhos vivos, as bochechas cavas, na face enrugada pelos anos duros, seu bigode
sobre o lábio fino. Parece que tenta assoviar alguma melodia desconhecida, mas
não consegue. Já quase não tem dentes. Talvez isso explique o zumbido em vez do
assobio.
Observe
agora, quando volta para casa, à hora do almoço. Entra quieto, diz alguma coisa
para minha avó, tira o chapéu, que pendura num cabide à parede, e vai lavar as
mãos.
Come
a comida saborosa que a mulher prepara: arroz fresquinho, feijão encorpado, ovo
estrelado, couve picadinha, jiló frito, angu de corte e um naco de carne de porco guardada na gordura. Nunca teve inapetência
na vida e pela vida.
Agora
está sentado à mesa, lendo A Voz do Povo. Passa os olhos ligeiros sobre o que
interessa. Depois pega o lápis e dá de fazer contas nas margens do jornal. Todos
os seus jornais terminam cheios de contas pelas margens. São os cálculos das
arrobas de café e arroz piladas na máquina sob sua responsabilidade.
Lá vai
ele de volta ao trabalho após o almoço. Fala com um e com outro que encontra no
trajeto. Na vila, todos o conhecem e ele conhece a todos. Pode não saber o
nome, mas lê suas fisionomias. Aquele é filho do Deolindo. O outro é o genro do
Aristides Turco. Aquele molequinho ali, de calção caindo da cintura, as
costelinhas desenhadas no peito, é neto do Precisval. Fala com um e com outro,
indiferentemente: Oi! Boa tarde! Como vai?
No fim
da tarde, após o banho para tirar o pó da pilação e antes da janta, vai
encontrar os amigos para a conversa de sempre. E, mesmo sem dentes, nunca
deixou de gargalhar. Sim, ele gargalha com facilidade. A vida difícil não lhe
tirou nenhum traço de alegria. E é fácil vê-lo na esquina da venda do João
Mestre, na roda de amigos, a rir das histórias deles e a contar as suas.
Se volta
para casa tentando assobiar, minha avó, à varanda, desconfia de que ele esteja com
alguma ideia saliente na cabeça. Andou falando em mulher aquele velho safado. É
o que ela sempre diz dele.
Ali ao
lado dela, observo meu avô chegando e, por dentro, rio desse ciúme tardio que
ela nutre, passados não sei quantos anos em que vivem juntos, depois de dez
filhos, uma montoeira de netos.
A casa
na pracinha da vila recebe meu avô de volta. Minha avó vai para a cozinha quentar a janta, enquanto tenta saber
dele o motivo de tanta alegria.
Ele ri,
mas se aborrece com a impertinência dela.
Eu fico
quieto no meu canto.
É assim Saint-Clair. Estão em nossa vida de forma mais intensa do que podemos imaginar. Nossos avós, nós mesmos neles espelhados. Grande abraço.
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