Não era longe, mas, em minha
cabeça e pernas de criança, era uma boa distância a se percorrer. Mas era logo
ali, atingida a poucos passos. Mas a Coreia tinha seu ar, sua mística, seus
mistérios. Tinha um quê de diferente do restante da vila. Pelo menos era o que
minha imaginação infantil engendrava.
Pois não é que lá ocorreu,
no início dos anos 50 do século passado, um fato de sair nas folhas da capital
da república.
Pela época, apareceu com
destaque na história criminal do Rio de Janeiro certo bandido de alcunha
Cabeleira. Por se ter tornado o inimigo público número um, como era comum se
dizer então, foi caçado ferozmente pela polícia.
Mas, tanto para desparecer
um pouco, quanto para tramar novos crimes, Cabeleira acabou indo para Carabuçu,
levado por Chico Mané, neto de Sá Luísa, parteira afamada na vila e já com mais
de cem anos, e Élcio do Coruja.
Chico Mané e Élcio do Coruja,
nascidos na vila, conheceram Cabeleira pelos morros do Rio de Janeiro, para
onde se mudaram em busca de ganhar dinheiro fácil. Como já não fossem muito
escrupulosos na vila, na cidade grande deixaram de lado qualquer resquício de conduta
sensata. E convenceram Cabeleira e irem para a vila, já que certamente algum
produtor de café, a grande fonte de renda da região, estaria com dinheiro da
venda da última safra guardado em seu colchão. Não era comum, naqueles tempos,
que as pessoas deixassem suas economias em bancos, que só existiam na cidade.
Zé Guido, antigo morador da
vila e também produtor de café, achou estranha a presença e a atitude do trio,
quando passou pelo bar do Mateus na Coreia, onde eles jogavam sinuca e bebiam
pinga com jiló frito. Chegou mesmo a inquirir Élcio do Coruja sobre suas
intenções, valendo-se da ascendência que imaginava ter por ser amigo do pai
dele, o Coruja. A discussão se tornou acalorada e Élcio disparou um tiro em
direção ao pé do Zé Guido, como aviso de que não estava para brincadeira, de
que não se metesse a besta com ele.
Zé Guido foi até o chefe
político da vila, Dudu Mestre, e contou o ocorrido, dizendo-lhe, inclusive, que
o tal Cabeleira fazia parte do trio, conforme conseguira apurar.
Sem maiores delongas, Dudu
Mestre pediu ao libanês Amim, dono do único carro de praça lá disponível, que
rompesse os dezenove quilômetros de chão entre o distrito e Bom Jesus, no
intuito de trazer a polícia armada do que pudesse, a fim de sanar aquele
incômodo importado da cidade grande.
Ao chegarem, os meganhas
desceram do carro ainda na entrada da vila e seguiram a pé até a Coreia. Lá os
encontraram na casa de Sá Luísa, que foi cercada. Élcio, cabra frouxo e covarde
que ele só, foi o primeiro a tentar a fuga pelos fundos, sendo contido por dois
soldados que se postaram no quintal.
Élcio foi, então, conduzido
até o táxi do Amim, que, com auxílio do Argemiro, estava incumbido de vigiá-lo.
O delegado da cidade, no comando da ação, entregou a Amim uma grande peixeira,
com a recomendação de que sangrasse o bandido sem piedade, caso ele tentasse a
fuga. E voltou para dar continuidade ao cerco.
Chico Mané, neto da velha,
outro também da mesma laia do comparsa, roeu a corda e se entregou. Cabeleira,
no entanto, desassombrado e violento, opôs resistência feroz, disparando contra
os policiais, um revólver em cada mão. Como era vida real, diferentemente dos bangue-bangues,
a munição terminou, e o meliante foi dominado, amarrado com corda, como um
porco arisco, e conduzido à delegacia de Bom Jesus do Itabapoana.
À saída do carro com os
comparsas detidos, ainda se ouviu Sá Luísa de sua janela lançar uma maldição
nos três, sobretudo no Cabeleira, que tinha levado seu neto querido para o
caminho do pecado e do crime.
De Bom Jesus, Cabeleira foi
conduzido para o Rio de Janeiro, por escolta vinda da capital, e teve o fim
comum a todos os inimigos públicos da época: foi assassinado na prisão.
Êta cabrunco sô. Sou da época que a Coreia tinha oito botequins e tínhamos por costume, eu e Adilson, boquejarmos uma pinga e uma cerveja em cada um deles, antes do almoço, claro.
ResponderExcluirÊta cabrunco sô. Sou da época que a Coreia tinha oito botequins e tínhamos por costume, eu e Adilson, boquejarmos uma pinga e uma cerveja em cada um deles, antes do almoço, claro.
ResponderExcluirDeixou bem claro: antes do almoço! Hahaha! Grande abraço, Paulo!
ExcluirSensacional... Não sabia dessa história. Muito bacana a narrativa Sant-Clair Mello, mas gostaria de saber em que não isso aconteceu. Forte abraço.
ResponderExcluirObrigado pela leitura. Acho que saiu um erro na sua frase. Se for o ano do acontecido, devo dizer que foi pelo anos 50 do século passado.
ExcluirMaravilhosa história!
ResponderExcluirObrigado, Gabriel! Esteja à vontade no blog.
ExcluirCaro Saint-clair, gostei de saber muito coisa que eu não sabia. Apenas uma dúvida: Cabeleira foi mesmo assassinado na prisão? Salvo engano, não. Pois na década de 80 do século passado eu soube que ele vivia em Teresópolis. Ou teria ele se multiplicado?
ResponderExcluirJonatas, pelo menos é esta a versão que ouvi de minha mãe. Não saberia responder sua pergunta. Abraços.
ExcluirSe for o mesmo Cabeleira, haverá controvérsia quanto à sua morte. Pesquisei no Google e confirmei uma informação que eu já tinha. Adelino Moreira de Abreu (esse era o nome dele) foi preso, mas não assassinado, abandonou o crime, converteu-se a Cristo e faleceu cheio de anos em 2011 na cidade de Teresópolis, tendo viajado o Brasil inteiro levando o seu testemunho. O mais curioso: ele esteve na Igreja onde eu congrego e ficou hospedado em minha casa.
ResponderExcluirPode ser o mesmo. A história que contei me foi repassada por minha mãe.
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