Pedro
e eu tínhamos ido à França para a Copa do Mundo de 1998, para a segunda fase, a
partir das quartas de final.
Fomos
numa excursão da extinta Grantur Turismo, que nos hospedou num hotel
recém-inaugurado da rede Accor - o Etap - em Saint Ouen, na Rue du Docteur
Babinski, juntinho da antiga muralha que circundava Paris.
Sempre
que íamos circular pela cidade, tomávamos um ônibus em seu ponto inicial na
Avenida de Saint Ouen, a uma pequena caminhada. A estação do metrô era um pouco
mais distante.
O
primeiro jogo que vimos foi aquele Brasil 4x1 Chile, no estádio Parc des
Princes.
A
Seleção deu um chocolate nos chilenos. Parte da torcida adversária também se
hospedava no Etap e passou parte daquele dia, antes do jogo, cantando uma
espécie de mantra:
-
Brasil es un caramelo! Ô-oooô! Brasil es un caramelo! Ô-oooô!
Sem
entender muito bem o sentido obscuro que pudesse estar por trás daquela
frasezinha cantada à exaustão, de forma provocativa, depois do jogo indaguei a
um chileno sobre o que, diabos, queriam eles dizer. Sem graça, pela coça que
levaram, o chileno me explicou, então, o óbvio: caramelo era caramelo mesmo,
doce, saboroso e fácil de ser comido.
Ri
da ingenuidade de nossos hermanos e de seu jeito inocente e
pré-histórico de torcer. Enquanto eles nos chamavam de caramelo, nós os mandávamos
tomar naquele lugar e xingávamos a mãe deles, como se fosse a coisa mais
natural do mundo. Ali vi que os chilenos ainda estavam na fase romântica como
torcedores de futebol. Nós estávamos na pós-moderna.
Porém,
o que interessa aqui, pelo título da crônica, é outra coisa.
Depois
da partida, voltamos ao hotel, tomamos um banho rápido e partimos em direção à
Avenida dos Campos Elíseos, a famosa Champs Elysées, que os franceses, com
orgulho, dizem ser a mais bela avenida do mundo. Lá era o local de comemoração
da torcida brasileira, como soubemos.
Devemos
ter chegado à Avenida por volta das vinte horas e nos juntamos a vários
torcedores patrícios, que agitavam bandeiras, vestiam camisas e portavam
outros símbolos verde-amarelos. Cantávamos, gritávamos, comemorando a vitória.
Tudo de forma bastante civilizada, como convinha ao local.
Após
certo tempo, resolvemos jantar num dos restaurantes da Avenida, o Léon de
Bruxelles, de uma cadeia que serve o prato nacional belga, que chamou nossa
atenção: moules et frites, que
traduzido em língua de gente significa mexilhões com batatas fritas. Aquela
combinação estranha nos desafiou, e, desconfiados, pedimos uma das diversas
fórmulas combinatórias para o serviço: uma panela média cheia de mexilhões ao
vapor, com batatas fritas em refil, tipo coma o quanto quiser. Combinamos o
prato com uma cerveja de que não me lembro mais. E foi excelente!
Ao final
do jantar, já mais de uma hora da manhã, saímos do restaurante para retornar ao
hotel. Metrô não havia mais. O serviço noturno de ônibus, com oferta muito mais
restrita, também não chegava até onde estávamos hospedados. Restou-nos, então,
o táxi.
Fiz sinal
para dois. Os motoristas, assim que reconheciam meu sotaque estrangeiro, davam
partida no carro. Não estavam ali, àquela hora da madrugada, para transportar
turistas. Estes que se virassem.
O hotel
ficava longe da Avenida, e não estava em cogitação andar até lá, embora todo o
percurso fosse plano e não difícil. De dia, até andávamos mais do que a
distância entre o hotel e a Champs Eliysées. À noite, porém...
Até que,
logo após um dos táxis se recusar a nos levar, parou um automóvel americano
antigo, bem conservado, com um rapaz ao volante. Ele se dirigiu a mim e
perguntou se estávamos querendo um táxi. Eu disse que sim, e ele se prontificou
a nos levar até o hotel. Achei aquilo estranho. Perguntei por quanto nos
levaria até lá e ele deu o preço, alto, que foi negociado: oitenta francos
(ainda não havia o euro). Falei com Pedro sobre o que estava acontecendo e
combinei que eu iria no banco da frente, ao lado do motorista, e ele atrás,
para, em caso de qualquer atitude suspeita, o meu filho providenciasse uma
gravata de tecido muscular no cou (pescoço) do
francês.
Fomos
conversando até a Porta de Saint Ouen, juntinho ao hotel. Durante o trajeto,
ele me disse ser universitário, vindo do interior para a capital, e que fazia
esse tipo de “serviço” para conseguir um troco, pois sabia que os taxistas da
madrugada, em Paris, têm uma má vontade histórica em transportar passageiros
não franceses. E o dinheiro apurado ajudava na sua manutenção na cidade, uma das
mais caras do mundo à época.
Acabei
descobrindo que ele fazia Letras, como eu fizera entre 68/71 no Brasil, e percorremos
todo o trajeto falando de língua, literatura e futebol, naturalmente, já que a
Copa do Mundo estava fervendo na terra de Victor Hugo e do Corcunda de Notre
Dame.
Melhor
do que ter tomado um táxi com motorista mal-humorado e que, possivelmente, não
trocaria um dedo de prosa com turistas chatos, vindo de países
subdesenvolvidos. Arre! Malheur!
Edouard Cortès (1882-1969), O Arco do Triunfo e a Champs Elysées, crespúsculo (em worldpaintings.tumbir.com). |
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