O bom
humor do Criador durou até o episódio da maçã. O que, convenhamos, foi por
muito pouco tempo! Após uma sentença de rito sumaríssimo, Ele determinou a um
de seus oficiais de justiça, célebre por seu pavio curto, executar a ação de
despejo daquela dupla de inadimplentes. Daí para cá, foi uma sequência
estarrecedora de punições, maldições, pragas, furacões, terremotos, dilúvios e
o escambau. Quando percebeu que havia exagerado, mandou seu Filho como
embaixador da boa vontade, da política da boa vizinhança, o qual, no entanto,
também perdeu as estribeiras e andou metendo a gurumbumba no lombo de uns e
outros que apenas queriam sobreviver à margem do governo, fazendo seus biscates,
vendendo suas traquitanas. Mas aí o gênero humano já tinha virado genérico. E
nunca mais deu certo.
Hoje, para tentar recuperar a desumanidade,
tratamos com pachorrenta benevolência tudo quanto é tipo de bicho, mas nos
esquecemos de outra parte substancial do gênero desumano que não tem nem o que
comer. Não sei se isso dará certo. Se daqui a alguns anos estivermos prontos
para viajar pelo espaço sideral como quem vai a Miracema e Bom Jesus, será,
então, que levaremos nossos dessemelhantes humanos ou nossos semelhantes
animais? Vi, por exemplo, em Paris, restaurantes que aceitam de bom grado a
presença de bichos: Votre pet est
bienvenu. Já, pobre, não sei bem se seria recebido com tanta sympathie, como dizem os descentes de
Asterix, o gaulês.
E,
depois de tanto tempo, parece mesmo que o Senhor nos deixou de lado. Cada um
faz o que quer. Cada estado se arranja do jeito que as guerras e as cobiças
permitem. Ele não está nem aí para o que sua criação anda fazendo. Até criação
de galinha tem mais atenção. Senão, como explicar a duração do conflito entre
judeus e árabes até hoje? Reparem que eles são primos – se não forem irmãos – e
se digladiam ferozmente por uma terra seca, sem floresta, sem cachoeiras, sem
praias paradisíacas – sem um bando de gente corrupta, também –, a qual, lá por
volta de dois mil antes de Cristo, um visionário saído de Ur resolveu chamar de
Terra Prometida.
O
que pode explicar tudo isso, isto é, ser a Terra Prometida aquele areal em
torno de uma lagoa de águas mortas, só pode já ter sido a má vontade e o
péssimo humor do Criador para com a criatura. Caso contrário, ele teria
prometido os verdes campos da Toscana, a aprazível Provença, ou mesmo a costa
baiana cheia de resorts de luxo e coqueiros onde pendurar uma rede.
E,
pelo que sinto hoje da Natureza – delegada imediata Dele junto ao genérico
humano –, posso dizer que não adianta ficarem inventado religiões, a três por
quatro, que os Seus maus bofes não se aplacaram e só tendem a piorar.
Terremotos, tsunamis, destrambelhamento geral do tempo e do placar de jogo
estão aí para não me deixarem mentir.
Quem
sobreviver verá!
Hans Memling, O juízo final; séc. XV (sauvage27.blogspot.com.br). |
É verdade!... E ainda é louvado por isso! Por isso e por muito mais!!!
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