Hoje trago aqui este conto escrito por meu filho Pedro Neiva de Mello, publicitário de profissão e danado para escrever bonito.
Aí está!
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LET DIE
Pedro Neiva de Mello
- Parei com o rock, bicho! Saco! Não tem mais rock bom
agora. Se é novo e é bom, é porque é de um disco novo de artista velho e, ainda
assim, é difícil pra cacete de encontrar. Senão é rock ruim!
Esse é o Carlão. Um camarada que fiz estes dias aqui. Carlão
faz aquele estilo coroa gatão. Grisalho, forte e falastrão. Deve ter aí seus
58, 59 anos.
- Quantos anos você tem, Carlão? – pergunto.
- Cinquentinha!
Porra!... Carlão tá meio acabado. Não é tão coroa e,
logo, não é tão gatão. Mas tá lá ele com suas tatuagens no braço direito. Uma
tribal e uma guitarra com uma flâmula escrita “Live and Let Die”. Tá lá ele
revirando a memória pra lembrar do último rock novo e bom de que se lembra,
enquanto reclama da vida.
Conheço o Carlão há seis dias. Quando cheguei aqui, ele
já estava ali no mesmo lugar de agora. Reclamando. Acho que a falta de rock fez
muito mal a ele. Parece ansioso e, à noite, grita umas palavras soltas assim do
nada! Na primeira noite, eu tomei um susto e quase caí daqui. Ele gritou “Boa
noite, Circo Voador!”. Eu estava meio dormindo e meio acordado. Daquele jeito
que os remédios deixam a gente, sabe? Porra!... foi um susto danado. Olhei pra
esquerda, e estava lá ele com seu braço direito tatuado socando o ar e
dormindo. Depois parou e dormiu. No dia seguinte contei a ele o que tinha
acontecido.
- Tá de sacanagem... Isso aí é coisa de maluco, bicho. – rebateu
o Carlão, muito convicto e com um certo ar de deboche pra mim.
Achei até que era eu quem estava vendo coisas, até porque
a gente não está aqui à toa. Ou ele ou eu podíamos ser o louco da conversa.
Na segunda noite, acordei novamente de supetão, porque o
Carlão fazia muito barulho. Olhei pro lado esquerdo do quarto, em direção à sua
maca. Só havia nós dois naquele quarto. Então toda a minha distração vinha
dele. Não podíamos ver tevê, celular, ouvir música e nem nada naquela fase do
tratamento.
- O que tá rolando, cara? – perguntei.
Ele se surpreendeu que eu estivesse acordado. Olhou pra
mim com os olhos arregalados, se virou. Fez uma enorme força com os braços pra
se sentar, mesmo sem permissão. Conseguiu e sentou-se do lado direito de sua
maca. Ainda tinha o ar de surpresa intacto na sua cara. Nessa hora eu reparei
que Carlão tinha uma secreção saindo da boca. Sem parar. Uma baba espessa.
- Que foi, cara? Quer que eu chame alguém? O que você
precisa? – perguntei pra ele - O que você quer?
- Eu queria ter uma bomba. Um flit paralisante qualquer
pra poder me livrar do prático efeito. - respondeu com os olhos dentro dos meus
e com a voz áspera citando Cazuza e se debatendo sentado do lado da cama.
Foi quando o Gérson entrou correndo no quarto, sem seu
uniforme, desesperado. Trazia com ele um segurança da clínica. Os dois
seguraram aquele homem forte de volta na maca. O Carlão seguia gritando, quando
Gérson aplicou algo no braço tatuado dele e o acalmou.
- Acho que desta vez o Carlos Roberto não sai mais
daqui... - refletiu o Gérson, depois que o Carlão finalmente dormiu e o quarto
se acalmou.
Carlão era um frequentador assíduo. Ia a voltava de
tempos em tempos. Aquela era sua quinta passagem por ali nos últimos quatro
anos. A cada retorno parecia mais fraco e solitário. Era filho de um casal de
músicos setentões. Viveu a vida na estrada com os pais e se apaixonou pelo rock
desde moleque. Uma paixão que virou patológica, com o passar do tempo e com o
passar das fraquezas do corpo e da mente. Fraquezas iguais às minhas. Fraquezas
que justificavam a nossa vizinhança naquele quarto.
Acostumado, na noite passada eu nem levei susto. Já
esperava a resenha da madrugada acordado. Pedi ao Gérson para reduzir a minha
dosagem naquela noite. Ele concordou. Disse que eu estava fazendo progresso, e
que o Carlos, em todas as suas idas e vindas, nunca tinha interagido com outro
parceiro como desta vez. E concluiu com um sorriso e com o sinal de metal na
mão direita – Rock and roll!!
Carlão começou a falar lá pelas 3h20. Calmo e de olhos
fechados, seguiu deitado. Parecia consciente desta vez. Não estava agitado como
na segunda noite ou incompreensível como na primeira. Não estava raivoso como
na quinta noite e nem grogue como na terceira e na quarta. Estava sereno.
- Quem é ele, esse tal de rock and roll? – ele disse.
- O rock errou. Errou comigo. – ele disse.
- O rock acabou, cara. – ele disse - Acabou!
Van Gogh. O quarto em Arles (1889; imagem colhida na Internet).
A falta que faz um bom rock'n'roll ou uma boa MPB, brutalmente assasinada e soterrada sob escombros maiores que os de um terremoto turco, leva qualquer Carlão à loucura. O jeito é continuar a ouvir os clássicos...
ResponderExcluirA falta que faz um bom rock'n'roll ou uma boa MPB
ResponderExcluirbrutalmente assasinada e soterrada sob escombros maiores
que os de um terremoto turco, leva qualquer Carlão à
loucura. O jeito é continuar a ouvir os clássicos..
Tio Duda
Obrigado, Duda! Passei seu comentário para ele.
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