"Retrato de Pai e Filho" - Antony van Dyck Pintor retratista flamengo (1599-1641) - (em deniseludwig.blogspot.com.br). |
Às vezes me pego repetindo
pequenos gestos do meu pai e o reconheço mais em mim do que eu mesmo. Como, por
exemplo, hoje ao almoço, ao mexer a comida com o garfo e dizer uma frase banal
qualquer. Eram seus trejeitos e sua entonação.
Dezembro passado, me bateu
uma saudade desgraçada dele, e fui para a área de serviço chorar como um
bezerro desmamado, como dizíamos lá em Carabuçu. Foi do nada, vindo assim sem
mais nem menos. De repente, senti um buraco inexplicável no peito e desandei no
choro. Me escondi porque fiquei com receio de que Jane me visse naquele
lamentável estado de criança abandonada, sem pai, chorando pelas sarjetas da
vida. Seria muito difícil explicar um coroa chorando tal criancinha.
Mas isto não se dá sempre.
Aliás foi a única vez em que chorei copiosamente sua ausência. Até mais do que
quando o vi prostrado no caixão em que foi sepultado. Naquele instante lá, o
que nos ocorria sobretudo era que ele tinha deixado de sofrer, como vinha
ocorrendo. E, a par da dor da perda, havia também o conforto de que, se é que
morremos todos, pelo menos que não se sofresse mais para chegar a termo.
Mas em dezembro foi
dolorido.
Contudo sinto que ele está
presente no que deixou em mim. Como nesses pequenos instantes em que eu, tão
diferente dele fisicamente e até psicologicamente – sinto-me muito mais
parecido com minha mãe –, reconheço com nitidez um gesto seu, uma frase sua,
uma postura corporal que ele tinha.
Claro que herdei dele
muito mais do que racionalmente imagino. Há de haver muitos outros dados que,
ao longo da vida, agora ultrapassado o tal Cabo da Boa Esperança, eu vá
identificando como seus.
E, de certa forma, isto me
espanta, pois fica a sensação de que, bem aos pouquinhos, eu seja menos eu e
mais ele. No entanto essa talvez seja a certeza básica de que não morremos de
todo, não desaparecemos para sempre e por completo. Sempre haverá um desses minúsculos
componentes de personalidade que se repetirão gerações afora. Quem sabe eu
também tenha, na minha postura, algum traço de meu avô, meu bisavô! Quem sabe, mesmo de minhas avós ou bisavós!
Somos um pouco replicantes
daqueles que nos precederam. Do meu pai, tenho clara essa sensação. A cada dia,
me descubro um pouco mais ele.
E nisto tenho um prazer
danado, que ele era um homem de bem, um homem honrado.
Muito bonito, Saint-Clair
ResponderExcluirMuito bonito, Saint-Clair
ResponderExcluirObrigado, Opiniões, pela leitura e as palavras!
ExcluirOlá, Saint-Clair... somos uma mistura de gestos. Gestos que se perdem na névoa do passado. O que acho poético é isto de lembrarmos outros em nós.
ResponderExcluirCom certeza, Paulo Laurndo! Obrigado pela passagem por aqui.
ExcluirQue texto lindo, Saint-Clair. Palvras simples, porém carregadas de tanta poesia...Emociona demais!
ResponderExcluirObrigado pela leitura e pelas palavras, Mônica!
ExcluirBonito, Saint-Clair. E verdadeiro. é nossa vingança contra o tempo, guardarmos alguma coisa de nossos pais e deixarmos algo de nosso em nossos filhos. Também sinto muito a falta de meus pais. Cada vez mais. Beijo.
ResponderExcluirÉ isso, amiga! Talvez um modo de não morrer por completo.
Excluir