Acordou cedo
no sábado para o exame do PSA. A próstata andava saliente há alguns meses, e o
médico foi taxativo:
- Só dou
mais essa chance. Se continuar assim, teremos de fazer uma raspagem em sua
próstata.
O médico tinha verdadeiro pavor de taxa de PSA alta, embora a biópsia anterior tenha dado negativo para câncer. Não gostava daquilo. Para ele, não era bom indício. Próstata é bicho arisco, traiçoeiro. Quando menos se espera, aplica sua peça de mau gosto no paciente. Como ocorrera com um amigo dele, médico, que sofreu o diabo com aquela minúscula glândula. Não queria que ele também passasse por isso. Então era a última chance que lhe dava.
Por isso é
que estava indo para o laboratório bem cedo para um sábado aposentado.
Raramente acordava àquela hora. Assim não sabia dos acontecimentos da
manhãzinha. Apesar de a vida nunca deixar de correr solta em todos os horários
e em todos os sentidos, só tomava conhecimento dela após as nove, e olhe lá!
Naquele
momento, não havia muitas pessoas nas ruas. Até chegar ao laboratório, não
andaria mais que seiscentos/oitocentos metros. E começou a reparar que jovens
bonitas também acordam cedo. Até mesmo no sábado. E vieram algumas em direção
contrária. A cada uma que lhe passava próximo, era um suspiro, uma contrição,
uma invocação aos céus:
- Ai, meu
Deus! Nossa Senhora! Arf!
Tudo
baixinho, inaudível para os outros, mas bem nítido para ele, como que para
dizer que permanecia vivo, apesar de todas as suspeitas. E veio uma morena de
cabelos longos, calça legging de ginástica coladinha em seus contornos
exuberantes. A seguir, uma lourinha de saída de praia (Há gente que acorda cedo
para pegar sol – coisa impensada para ele.), a deixar entrever seu biquíni
minúsculo. Também outra morena, tipo mignon, com uniforme de trabalho e um andar
cadenciado pelo salto alto, espalhando no ar um agradável perfume.
Até chegar
ao destino, foram rezas, exclamações e suspiros profundos de admiração pela
beleza feminina, como a sustentá-lo nesse tipo de vicissitude por que tivesse de
passar. Embora incréu empedernido, Deus o socorresse nesses momentos, para que
não enfartasse antes mesmo de saber o resultado da maldita próstata.
Não havia
clientes no laboratório. Foi atendido de imediato e, sem que se levantasse da
cadeira, a vampira da vez chamou por ele:
- Seu
fulano!
Levantou-se
e se dirigiu até ela, corrigindo a pronúncia errada que dera para seu nome. Ela
sorriu e se virou em direção à saleta. Era uma vampira jovem, bela e com um derrière de fazer francês esquecer o
acento grave. Começou achando que já estava valendo a pena o sacrifício dos
Andradas.
Solícita e
bonita, a moça foi preparando o material e indicava sua procedência, o caráter
de descartável, a etiqueta com seu nome no tubo. Mas tudo começava a perder um
pouco do sentido. É que a cada movimento dela, jaleco aberto, a blusa curta subia e ele
vislumbrava a calcinha cor-de-rosa um pouco abaixo do cós da calça jeans suavemente
surrada. Passou, então, a fingir que prestava atenção ao braço e à veia de onde
se recolheria o sangue para o exame, só para ficar de olhos atentos para aquele
espetáculo matinal, não previsto pelo plano de saúde. Assim que a jovem lhe
fincou a agulha numa veia distraída, o sangue jorrou forte, ao ver o sulco
descendente que, a partir do quadril, corre em direção à virilha e ao triângulo
de Vênus. Sentiu, então, que derramava o sangue por uma boa causa.
Ao sair da
saleta - um tanto tonto pela visão e não propriamente pelo sangue derramado -, esparadrapo vedando o buraquinho na veia, viu, sentada na mesma cadeira
em que estivera cinco minutos antes, uma bela morena esguia, cabelos fartos e
vestidinho vaporoso curto a revelar suas pernas bem torneadas. Era muita visão
beatífica para uma manhã de sábado despretensiosa. Saiu à rua atordoado, sem
saber o que fazer com aquela próstata desgraçada, que já lhe estava tirando do
sério.
O mundo, a
vida, as belas mulheres estavam ali a dizer que tudo continua lindo,
ininterruptamente. Ele é que anda um tanto capenga, precisando tomar mais conta
da glândula traiçoeira do que das outras glândulas corporais. Se quiser
continuar admirando, por mais alguns anos, toda a beleza espalhada por aí.
Imagem em unb.br. |
Além do texto, como sempre, muito bom, o personagem principal eu conheço. É um amigo meu...
ResponderExcluirImagino o que o Seu Fulano deve ter sofrido!...
ResponderExcluirO Texto, como sempre, uma preciosidade!
Aquele abraço.
Não sei se conheço o personagem; mais dia menos dia passarei "emos" por isso. E o viva o testo. Por essa facilidade em escrever jamais passarei.
ResponderExcluirObrigado aos amigos leitores pelas palavras, que levarei ao Sr. Fulano. Abraços.
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