Às vezes me move o vinho. Não que me embriague, mas que
me inebrie com seus eflúvios alcoólicos e me faça ver a vida com mais complacência.
O vinho benfazejo, o vinho repartido – com a mulher, com os amigos – torna a
vida mais branda, mais palatável.
Sempre fico esperando que a temperatura baixe, ou pelo
menos amenize, ocasião própria a que se tome vinho.
Todos têm seus nós pelas costas, como dizia meu querido
pai. Também tenho os meus, bem que pequenos e nem tantos assim. Um deles é a
predileção quase religiosa pelo vinho tinto, tânico, potente. Mas bebo todos
sem preconceito, porque, inclusive, não está na moda ter preconceitos de
nenhuma espécie. Assim, segundo a ocasião, aceito os brancos, os rosados, os espumantes,
os fortificados, os licorosos, os destilados de vinho.
Porém, dos tintos, começo por beber os portugueses, de minha
preferência. E sigo com os italianos, os espanhóis, os franceses, os nacionais,
os sul-americanos de modo geral. Mas prefiro aqueles que têm uma longa história
por trás e, sobretudo, os que não sejam varietais. Prefiro os misturados,
vinhos de corte, os produzidos por diversas uvas.
Até já estive pensando por que, diabos, gosto mais dos
vinhos portugueses. É que sempre tive uma queda por nosso país irmão. Em
princípio, pelo amor desesperado pela língua que nos legaram. Depois por toda a
cultura de que somos continuadores.
Muitos hão de dizer que também os portugueses nos
legaram alguns problemas. E que colonizador não deixou problemas? Entretanto, lembro-me de José Saramago, em entrevista
a Jô Soares, dizendo não ser compreensível que, depois de tanto tempo, ainda
não pudéssemos viver pelas próprias pernas e assumir a parcela que nos cabe em
nossas próprias vicissitudes, ficando a repetir, a repisar a mesma e velha
história da herança portuguesa.
Mas isto não vem ao caso agora. Estou falando de
vinhos.
O romano já dizia que a verdade está no vinho – In vino veritas – e, de fato, não
conheço bebida melhor para soltar a língua, para liberar qualquer tipo de
timidez com as palavras como o vinho. É certo, todavia, que os romanos o usavam
para arrancar dos prisioneiros o que queriam saber. E os empanturravam de
vinho, a fim de que dessem com a língua nos dentes e revelassem bem guardados segredos
militares de seus inimigos.
Os gregos antigos cultuavam o vinho através de Dioniso
(o Baco, dos romanos) e se imaginavam em ligação com o deus, quando o calibre
do álcool atingia o equilíbrio do corpo e a sensatez da razão. A palavra
simpósio, por exemplo, que nos veio do grego, significa literalmente “beber
junto, em companhia”. Era a festa para beber vinho, promovida pelo grego para
seus amigos. Seu sentido primordial era mais gostoso do que o de hoje. Às vezes,
há simpósios maçantes e insuportáveis!
Ambos, romanos e gregos, faziam assim das libações com
vinho um momento de confraternização e, às vezes, de orgia (as bacanais e as dionisíacas),
bem verdade. Hoje não chegamos a tanto. Contentamo-nos com juntar os amigos, as
pessoas queridas, para esses momentos de descontração e fruição que só um bom
vinho é capaz de proporcionar.
E tocamos a falar com pelos cotovelos, com alegria e
prazer.
Evoé, Baco!
William-Adolphe Bouguereau, O jovem Baco, 1884 (em pt.wikipedia.org). |
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