Depois da notícia de que iria instalar nova mulher em casa, em substituição à sua, recém-baixada à terra dos mortos nos altos da Aristides Figueiredo, seu João – cujo nome não foi declinado na primeira parte da história*, a fim de não prejudicar as investigações, ou melhor, a narrativa –, foi até a Carminha, para os acertos finais do acordo verbal que pretendia, conforme já tinha comunicado aos filhos, noras e genros.
Carminha, que de si tinha a mais completa noção, sabedora dos poderes que exercia sobre aquele homem beirando os oitenta, foi taxativa: só com papel passado em cartório, assinado pelos dois e mais quatro testemunhas idôneas e sacramentado por juiz de paz devidamente nomeado pelo Corregedor Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Sem isso, nem pensar! E, também, a partir daquele momento, estavam suspensas todas e quaisquer facilitações, saliências e bolinações que até então havia consentido. Tudo o que ocorrera nos desvãos da madrugada, nos senões do quarto ao lado do de onde a defunta estertorava, foi apenas no intuito de colaborar com ele, no alívio do estresse do sofrimento, para que ele também não batesse a caçoleta, afrontado. Já que agora estava livre e desimpedido, com corredores e varandas liberados, a conversa é outra. E aguardava, nos recônditos do cérebro, a capitulação do velho.
A conversa desagradou. O caldo desandou. Ele não esperava essa reação de Carminha. O travo amargo na boca foi pior do que o dos lombrigueiros, obrigado a tomar em criança. Tinha por certo que ela não poria nenhum obstáculo em se mudar para sua casa e assumir o controle do lar, arrumando a casa, batendo panelas e, à noite, fungando nos embates de lençóis e travesseiros. Assim, era coisa de se pensar, de se avaliar, porque ele mal acabara de enviuvar e não ficaria bem, perante a maledicente opinião pública da cidade – um bando de gente futriqueira, que vive tomando conta da vida alheia –, cerimônia de casamento antes da missa de mês. Onde já se viu um despropósito desses?!
Mas também tinha lá seu fogo a apagar. E fazia questão de garantir a todos que a fogueira lúbrica estava em pleno funcionamento, perigando explodir a caldeira, caso não abrisse a válvula de segurança. Sentia-se um jovem no vigor da idade. Se é que vocês me entendem, perguntava ele ao final de seu argumento. Os amigos que o ouviam fingiam espanto, simulavam crença em suas bravatas.
Passou uma semana em propalada secura extrema e resolveu sair à caça, como fazia na juventude. Então, misturou-se aos rapazes e moças que frequentavam a boate da cidade, La Moustache, constrangendo uns e outros com sua conversa imatura, pretensamente jovem, tomando energético com vodka bem devagarzinho, para não assustar por demais o fígado, que passara os últimos anos a alambicar apenas leite quentinho e chazinho preto, nas noites frias de inverno.
Agora estava ali, engatinhando novamente no território da conquista, sujeito às espertezas de menina nova, mal saída da adolescência, que se fazia acompanhar por uma coroa que se passava por sua tia. Sem que ele soubesse, estava sendo enredado pelo plano das espertalhonas. A suposta tia dizendo que a donzela tinha um pai que é uma fera, e ela, a donzela, cobrando quatrocentos paus para saliências completas. Onde já se viu mocinha filha de pai brabo que cobra por esse tipo de coisa?
Imagem em flickr.com. |
Ele, com o bolso infestado de escorpiões e lacraias, ofereceu chorados cem mangos, pelo que recebeu em troca “um sarro legal” (como se vangloriou para a roda de amigos do Bar Pracinha) no banco de trás do carro, tal qual fazem os durangos que não podem pagar motel. Por esse serviço incompleto, acabou apaixonando-se pela periguete, que agora, no finalzinho da tarde, passeia diante de sua casa, banho tomado, cabelo molhado recendendo a creme rinse, lançando olhares sedutores, apertados num shortinho falsamente puído e blusa de alcinha de rolotê.
Os filhos pretendem lançar edital na praça da cidade, interditando seu pai, a fim de que ele não se perca – vá lá! – por excesso de testosterona. E vão tentar amaciar os pressupostos de Carminha, para que aceite as propostas dele. Tudo no intuito de não verem seu velho pai correndo atrás de caça nova.
Eh, mundão velho de Deus!
Eh, mundão velho de Deus!
*TOU A PERIGO!, postada em 8/2/2011, a três degraus aí abaixo.
Penso que o mundo está ficando pequeno demais para o seo João. Se fosse ele, fazia partilha, jogava uns trecos na mala e ganhava a estrada antes que o tachem de louco.
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