6 de junho de 2016

TRÊS BÊBADOS

Argeu, Caburé e Pedro Moranga tinham em comum algumas coisas: trabalhadores rurais, pobreza, calos nas mãos, mocotós inchados e uma verdadeira paixão pela pinga. O trabalho da semana era todo sorvido em goles de branquinha, no mais das vezes sem acompanhamento de tira-gosto, porque o gostoso era o gosto da gostosa. Eta, calibrina boa! Eta, cachacinha dos diabos! Nem davam pro santo: podia faltar pros pecadores.
Invariavelmente chegavam à vila nas minúsculas tardes de sábado, cada um por um caminho: Argeu, dos lados da Fazenda da Liberdade; Caburé, dos lados do Izamor; Pedro Moranga, dos lados da Vala.
Entortavam na camulaia até domingo, cada um atirado em uma calçada: Argeu, em frente à máquina do Elias Penudo; Caburé, diante da venda do Cirilo; Pedro Moranga, próximo ao bar do Manuel Ribeiro. Ou sabe-se lá, onde! Rodizio constante.
Se um moleque implicasse, sempre a mesma resposta: Vai à puta-que-te-pariu! A diferença só na impostação da voz pastosa da bendita.
Nas infindas noites de domingo, cada um pegava o cambaleante caminho de volta - Que estrada estreita, sô! -, trocando pernas, cuspindo balebas, chapéu enterrado na cabeça, a sujeira das calçadas nas roupas. Às vezes um saco alvejado às costas, com os mantimentos para uma semana de trabalho duro. Às vezes uma leveza no corpo, a cabeça esbarrando no clarão da lua. Às vezes o peso dos séculos sobre os ombros tão doídos, tão banhados de sol...
  
Vincent Van Gogh, Os bebedores, 1890 (em museodelarte.blogspot.com).

3 comentários:

  1. Tanta gente pelas calçadas; tantos sonhos anestesiados pelos goles das branquinhas; tantos seres desiludidos; tantos que se rendem e caem no esquecimento das nossas cidades... O olhar sensível recorda, registra, expõe e humaniza: gente da nossa terra, gente do Brasil! Parabéns pelo texto, Saint-Clair: grande abraço!

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  2. Delicioso texto.
    Como dizia um tio meu, que tinha andado , em França, na 1ª Grande Guerra:
    Só apanhei uma bebedeira na minha vida, foi no dia em cheguei a casa, vindo de França. Bebi tanto vinho que mal cheguei à cama, deitei-me vestido e tudo! Eu estava bem, o quarto é que andava todo à roda!...

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